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Nº 1706 - Ano 36
16.8.2010

A falta que a tiamina faz

Estudos da UFMG investigam os efeitos que a deficiência de vitamina BI nas mães pode causar em seus filhos

Igor Lage

Chris Okamoto
Ângela Ribeiro: estudos sobre os impactos do déficit de vitamina B1

A vitamina B1, também conhecida como tiamina, é uma das mais presentes na alimentação humana, podendo ser encontrada em carnes, legumes e cereais. É também uma das mais importantes, responsável pelo bom funcionamento do sistema nervoso central e da musculatura do coração. Estudos realizados no campo da neurociência indicam que sua carência no organismo pode causar lesões em regiões diversas do cérebro e doenças graves, como a beribéri, que provoca fraqueza muscular e problemas respiratórios.

Algumas das consequências de uma alimentação pobre em vitamina B1 são alvo de trabalhos interdisciplinares desenvolvidos por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG. Sob coordenação da professora Ângela Maria Ribeiro, do Laboratório de Neurociência Comportamental e Molecular (Lanec), os estudos estão voltados para a análise dos efeitos verificados em filhos cujas mães tiveram alimentação deficiente de tiamina.

Segundo Ângela Ribeiro, essa linha de pesquisa surgiu da hipótese de que a má alimentação de mulheres grávidas pode ter relação com os altos índices de mortalidade infantil nas regiões mais pobres do país. “Em experiências com animais no laboratório, observamos que, quando a tiamina era eliminada completamente da dieta da mãe, os bebês já nasciam mortos”, explica a pesquisadora, lembrando que outros estudos realizados no Lanec mostraram que a deficiência dessa vitamina em animais adultos causa disfunções neurobiológicas e déficits de aprendizado e memória.

A partir dessas premissas, a bióloga Danielle Marra Azevedo desenvolveu o seu projeto de doutorado, que deve ser defendido ainda este ano no ICB. Em suas pesquisas, ela analisou parâmetros cognitivos e neuroquímicos de ratos jovens e adultos amamentados por mães que tiveram dieta restrita de tiamina durante o período de lactação.

Com uso de técnicas da psicologia experimental, os animais foram submetidos a testes de memória e de aprendizado espacial. Enquanto o grupo jovem apresentou dificuldades acima da média para realizar essas atividades, o adulto teve desempenho normal. Por outro lado, nas análises neuroquímicas, foram observadas alterações nos circuitos glutamatérgicos e gabaérgicos (responsáveis, respectivamente, pela ativação e inibição do sistema nervoso) somente nos ratos adultos. “Uma das hipóteses é que essas alterações neuroquímicas aconteceram justamente para compensar a disfunção cognitiva apresentada na fase jovem, fenômeno denominado plasticidade neuronal”, afirma Ângela Ribeiro, que orientou a pesquisa com a colaboração da professora Silvia Pereira, do Departamento de Psicologia da Fafich.

Dificuldades motoras

Enquanto os estudos de Danielle se preocupam com as dificuldades no processo de aprendizado, a dissertação de mestrado da fisioterapeuta Talita Ferreira Vieira, defendida em 2009, teve foco em alterações na atividade motora. “Elas estão relacionadas ao tálamo e cerebelo, regiões do cérebro afetadas pela deficiência de vitamina B1”, conta Ângela Ribeiro. No estudo de Talita, foram realizados experimentos com proles de mães que passaram pela dieta restrita de B1 no período perinatal (que vai dos últimos meses de gestação até os primeiros dias de vida do bebê). A partir do momento em que atingiram a fase adulta, os animais foram submetidos a testes comportamentais para análises de equilíbrio. “Observamos que a coordenação motora e a massa corporal desses animais ficaram bastante comprometidas”, revela Ângela.

Em seguida, foram feitas avaliações no sistema nervoso central dos ratos, que mostraram alterações significativas nos circuitos glutamatérgicos e gabaérgicos do tálamo e ao cerebelo. Porém, diferentemente do que Danielle observou em suas pesquisas, essas alterações não são compensadas futuramente pelo cérebro, o que pode significar que algumas complicações resultantes da má alimentação da mãe durante o período de gestação e amamentação podem acompanhar o filho pelo resto da vida.

Próximo passo

“Quando obtivemos esses dados em laboratório, ficamos muito interessados em pesquisar se isso também se repetia em seres humanos”, conta Ângela Ribeiro. É nesse ponto que se concentra a tese de doutorado de Fernando Vilhena Dias, médico psiquiatra em um posto de saúde da zona rural de Conceição do Mato Dentro. Sua proposta é avaliar a prevalência de transtornos psiquiátricos e alterações bioquímicas em grávidas, em diferentes períodos da gestação. “E em projeto paralelo, pretendemos medir a quantidade disponível de vitamina B1 no leite de mães dessa região e verificar se isso, de alguma forma, se reflete no desenvolvimento motor dos bebês”, informa Ângela Ribeiro.

Outro aspecto a ser analisado em futuras pesquisas é se a carência maternal de tiamina poderia estar associada ao déficit de aprendizado, a exemplo do que foi apontado nos animais de laboratório pelos estudos de Danielle. “Pode ser que algumas das dificuldades apresentadas pelas crianças na escola sejam decorrentes da alimentação deficiente de vitamina B1 de suas mães nos períodos de gestação e amamentação. É uma hipótese que vale a pena investigar”, defende a professora.