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Nº 1706 - Ano 36
16.8.2010

Mesclas culturais no novo mundo

Pesquisadores mostram em livro aspectos que envolveram trabalhos forçados e mestiçagens no mundo ibero-americano

Itamar Rigueira Jr.

O italiano Carlo Julião retratou cenas que misturam elementos oriundos de culturas diferentes

As dinâmicas de mestiçagens – sociais, culturais, econômicas e políticas – que se deram no mundo ibero-americano colonial tiveram impacto planetário e de dimensão inédita até então. E motivam estudos de diversos pesquisadores, dentro e fora do Brasil, muitos reunidos no Grupo Escravidão e Mestiçagens. Treze deles, entre professores e alunos de pós-graduação, assinam capítulos da obra recém-lançada Escravidão, mestiçagens, populações e identidades culturais.

Um dos consensos que podem ser destacados entre os novos estudos sobre o tema é o de que, contrariando o mote de boa parte da historiografia tradicional, não se devem juntar em um conjunto indistinto de oprimidos populações de negros, pardos e mulatos envolvidos com trabalhos forçados na América portuguesa. Essa corrente defende que os diversos segmentos envolvidos em trabalhos forçados, sobretudo a escravidão, se viam como diferentes. “Esses grupos não se confundiam e chegavam a estabelecer hierarquias entre si”, afirma Eduardo França Paiva, professor do Departamento de História da UFMG e um dos organizadores do livro.

A perspectiva que orienta os estudos está vinculada à revisão historiográfica, de alcance mundial, iniciada no final dos anos 1980, de acordo com o professor da Fafich. “As releituras consideram mesclas e sobreposições de religiões, valores e histórias na formação das populações após a conquista do novo mundo”, afirma França Paiva. “É fundamental conhecer a diversidade biológica e cultural que resultou na formação desses povos. Não é correto, por exemplo, chamar todos os não brancos de negros, nem dizer que existia um grupo homogêneo unido contra a escravidão ou contra o ‘branco malvado’.”

Africanos islamizados

O capítulo de autoria de Eduardo França Paiva trata da presença de islamizados e muçulmanos nas Américas. Ele demonstra, seguindo caminho traçado por poucos estudiosos no mundo, que as colônias receberam negros islamizados, que misturavam o Islã com religiões tradicionais africanas. O texto aborda especificamente os negros mandingas, que, sobretudo no início do século 18, no Norte das Minas Gerais, formaram milícias a mando do português Manoel Nunes Viana. Desciam armados pelo Vale do Rio São Francisco, desde a Bahia, para apropriarem-se de terras.

“Esses grupos espalhavam o terror lançando mão do estereótipo de ‘feiticeiros’, anterior à presença dos europeus na África”, conta França Paiva. Com o discurso de que Viana “tinha o corpo fechado e escutava pelas paredes”, eles assustavam os proprietários e chegaram até as áreas mineradoras. “Essa história ilustra a presença de negros islamizados em pleno sertão da América portuguesa, por excelência católica. O que mais se pode querer em termos de trocas e mesclas?”, ele provoca.

Ainda segundo o professor da Fafich, uma das contribuições mais relevantes das teses expostas no livro é oferecer ao campo das humanidades “melhor compreensão da pluralidade e da polissemia que marcam as histórias que constituem qualquer povo e qualquer sociedade”. Ele ressalta que esses estudos têm primado pelo aprofundamento das análises e por grande abertura das abordagens, no que se refere a temas, regiões e conexões. Da UFMG, além de Eduardo França Paiva, o livro tem capítulos escritos pelos professores Douglas Cole Libby e José Newton Coelho Meneses, e alunos e egressos do Programa de Pós-graduação em História.

Livro: Escravidão, mestiçagens, populações e identidades culturais
Organizado por Eduardo F. Paiva, Isnara Pereira Ivo e Ilton Cesar Martins
Editora Annablume e programa de pós-graduação em História da UFMG
309 páginas / R$ 39 (www.annablume.com.br)