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Nº 1728 - Ano 37
28.02.2011

Na DOSE certa

Testes com peptídeo humano mostram resultados promissores no controle da pré-eclâmpsia

Ana Maria Vieira

A administração de doses extras de um hormônio produzido pelo próprio corpo está proporcionando melhora clínica em grupo de mulheres grávidas que sofre de pré-eclâmpsia. Os testes com o novo tratamento estão em curso desde 2008 no Hospital das Clínicas da UFMG. Conduzidos por pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Nanobiofar, eles envolvem a aplicação do peptídeo (pedaço de proteína) angiotensina 1-7, ou ang-(1-7), com a aprovação do Comitê Nacional de Ética na Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde, e de conselho correlato da UFMG.

Doença que se manifesta mais frequentemente no último trimestre da gestação e entre as primíparas – mulheres que estão grávidas pela primeira vez –, a pré-eclâmpsia pode evoluir silenciosamente. Seus sinais mais comuns são a elevação da pressão arterial, dor de cabeça, presença de proteína na urina e deterioração das funções do fígado e dos rins. Em sua fase mais severa, a eclâmpsia propriamente dita se instala, e a grávida pode passar a sofrer convulsões, distúrbios visuais, descolamento da placenta e acidente vascular cerebral.

A estratégia proposta pelos pesquisadores mineiros para auxiliar no controle da pré-eclâmpsia por meio da angiotensina (1-7) não é aleatória. A substância, produzida em todas as células, integra o sistema renina-angiotensina, que atua na corrente sanguínea, nos rins e no coração. Com função vasodilatora, a ang-(1-7) regula a pressão arterial. Sua identificação ocorreu na década de 1980 pelo professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG Robson Augusto Souza dos Santos, coordenador do estudo na Universidade.

Ele explica que, entre mulheres com pré-eclâmpsia, há diminuição dos níveis de ang-(1-7). “Além disso, nelas também ocorre redução da expressão do receptor dessa angiotensina (Mas), uma proteína existente na membrana das células que interage com o peptídeo para que ele produza seus efeitos”, detalha.

Manuscrito

A percepção desse desequilíbrio motivou a equipe a tratar pacientes com a doença, normalizando seus níveis de angiotensina com doses baixas da mesma substância, na chamada faixa fisiológica. Antes, porém, teve sua tese demonstrada em testes com camundongos alterados geneticamente para não abrigar o receptor Mas. “As fêmeas desenvolveram quadro semelhante à pré-eclâmpsia, o que nos motivou a realizar o ensaio clínico com o grupo de mulheres”, relata Robson dos Santos.

De acordo com o professor, uma das vantagens do uso do peptídeo ang (1-7) no controle da doença é que ele não apresentaria toxicidade para a mulher e o embrião, em qualquer de suas fases, pois é uma substância endógena, produzida pelo organismo humano, que aumenta naturalmente na gravidez normal. A maioria dos medicamentos anti-hipertensivos disponíveis são contraindicados para grávidas, pois desencadeiam má-formação em órgãos dos fetos.

Novo medicamento

A utilidade do achado para a população brasileira não é pouca, especialmente quando se sabe que a pré-eclâmpsia e a eclâmpsia são a maior causa de mortalidade materna no país – estão relacionadas a 37% das mortes decorrentes diretamente da gestação e do parto.

Apesar da alta incidência, a doença ainda é pouco compreendida no meio especializado. “Há diversas teorias, mas até hoje não se sabe com exatidão como é o mecanismo da eclâmpsia e como se dá a interação de tantas variáveis, como as ambientais e genéticas, por exemplo, em seu desencadeamento”, diz o coordenador da pesquisa.

Ele lembra, exemplificando a influência genética, que a doença é muito comum entre populações negras, mais sensíveis também a doenças hipertensivas. Na Europa, o índice chega a 1%, enquanto no Brasil, possivelmente devido à miscigenação, ele sobe para 5% em diversas regiões. Um dos consensos, no entanto, é que o mal parece resultar, entre outros fatores, de reação do sistema imunológico à presença do embrião.

A expectativa da equipe de pesquisadores da UFMG é que, controlando a síndrome ou suas complicações com auxílio do uso do peptídeo, seja evitado o procedimento padrão no tratamento do problema, quando o quadro progride. “A antecipação do parto é o único tratamento definitivo para a pré-eclâmpsia”, informa o texto do manual técnico Gestação de Alto Risco, editado pelo Ministério da Saúde e que, em 2010, encontrava-se em sua quinta edição.

A recomendação pela interrupção da gravidez a partir da 20ª semana – que não configura aborto – tem sua razão de ser: a doença proporciona risco de morte para a mãe e para o feto, que também pode sofrer danos neurológicos. Se o parto for antecipado, ele tem aumentada sua chance de desenvolvimento em incubadoras.

Os estudos na UFMG devem resultar em medicamento por via endovenosa e também oral. Segundo Robson dos Santos, a chegada do produto ao mercado deverá ser concretizada pela União Química, empresa para a qual a Universidade realizou transferência de tecnologia relacionada ao estudo.

Até lá, no entanto, outro percurso ainda deve ser feito pelos pesquisadores: a atual etapa de testes, chamada fase clínica 2 (feita com humanos que sofrem da doença) será finalizada até o primeiro semestre de 2012. Depois disso, eles devem ser aplicados por diversos centros de pesquisa no país. No HC, os ensaios são coordenados pelos professores Antônio Carlos Vieira Cabral, Henrique Vitor Leite e Zilma Silveira Nogueira Reis, da Faculdade de Medicina, com a participação da pesquisadora Elizabeth Portugal Velloso.