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Nº 1735 - Ano 37
25.04.2011

Escola SEM MUROS

Tese discute condições que garantiam qualidade do ensino oferecido pelo Colégio Estadual de Minas Gerais nas décadas de 1950 e 1960

Liberdade, excelência acadêmica e efervescência cultural. Nesse ambiente, o tradicional Colégio Estadual de Minas Gerais proporcionava, sobretudo em uma época específica – 1956 a 1964 –, formação de alta qualidade a jovens de Belo Horizonte, quando o ensino secundário público era duramente criticado por sua ineficiência. Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o prédio era muito mais do que a estrutura onde tais condições se davam. Era o ambiente que construía essa realidade, afirma a professora Aleluia Heringer Lisboa Teixeira, em tese de doutorado recém-defendida junto ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação e orientada pela professora Cristina Gouvea.

Ela analisa a produção de uma memória coletiva segundo a qual o Estadual Central seria “a escola referência em Minas”. De acordo com a pesquisadora, embora a instituição compartilhe com outros ginásios e colégios públicos existentes no Brasil até a década de 1970 “essa representação e imaginário consagrado em torno da excelência acadêmica”, a liberdade sustentada pelo princípio do autogoverno é uma característica marcante na memória dos ex-alunos do Colégio Estadual.

Aleluia Teixeira toma como ponto de partida o ano de 1956, quando a escola é transferida do Barro Preto para o bairro de Lourdes, na gestão do então governador Juscelino Kubitschek, em conjunto arquitetônico assinado por Niemeyer. O estudo focaliza até o ano de 1964 e procura entender se, além do golpe militar, outros fatores interferiram nas condições oferecidas pela escola, uma vez que a liberdade seria fator fundamental para sustentar a excelência acadêmica e a efervescência cultural.

A pesquisadora explica que os alunos tinham liberdade, por exemplo, para matar aula, contudo, o bom desempenho nos exames era cobrado pelos professores e o alto nível dos testes, louvado pelos estudantes como marca da escola. Segundo ela, havia no princípio pedagógico do Colégio a ideia da liberdade responsável, intensificada na nova sede, por ser um espaço sem muros. Embora sem minimizar o golpe militar e suas repercussões na rotina da instituição, Aleluia comenta que, no decorrer das entrevistas feitas com ex-alunos e ex-professores, outro acontecimento se destacou como relevante na alteração do discurso sobre a escola: a abertura de anexos do Colégio, em diferentes bairros da cidade, também em 1964.

O fato alterou de modo crucial as condições de ensino oferecidas pelo Colégio. “Com a industrialização e a exigência do mercado de trabalho por pessoas qualificadas, havia forte demanda da classe média emergente por vagas no ensino secundário, público e de qualidade”, conta Aleluia Teixeira, ao destacar que os alunos foram sendo deslocados por nota ou por local de moradia para os anexos.

“No início, os professores eram catedráticos, com bons salários, e havia relativamente poucos alunos. Com o aumento da oferta de vagas, já não era possível exigir tanto no exame de admissão. Na ausência de professores catedráticos, abrem-se vagas para professores de aulas extranumerárias e com isso os salários caíram”, raciocina.

A partir desse período, a excelência acadêmica já não se faz tão presente nos discursos. Segundo a pesquisadora, fato semelhante ocorreu no Brasil e no mundo, com a massificação do ensino secundário, já que a excelência acadêmica era sustentada na raridade. “Será que a qualidade só pode existir para poucos? Quando a educação se abre para muitos necessariamente perde-se a qualidade? É uma pergunta que hoje todos tentam responder”, comenta.

Funil

Essa tensão aparece nos momentos em que a autora questiona para quem o Estadual era, de fato, “uma escola sem muros”. A “sede moderna capaz de abrigar três mil estudantes”, como anunciava o jornal Diário de Minas em 1953, era uma instituição pública, teoricamente aberta a toda a sociedade, mas que abrigava uma elite que conseguia passar por diversos filtros para entrar e ali se manter.

No estudo, Aleluia Teixeira analisa o perfil socioeconômico daqueles que se candidatavam a uma vaga no primeiro ano ginasial, com base em dados coletados no livro de registro dos candidatos ao Exame de Admissão. Desse modo, ela teve acesso a informações sobre os alunos, que incluíam naturalidade, profissão do pai ou responsável, sexo, idade, local onde fez o primário e onde se preparou para o Exame de Admissão.

A pesquisadora aponta características e elementos que contribuíram para a formação dessa elite e questiona o peso da origem social e do capital cultural herdado na família, bem como o lugar e a expressão das mulheres, dos negros e dos pobres na composição dessa elite escolar.

Direto para a universidade

Fundado em 1890, em Ouro Preto, com o nome de Ginásio Mineiro, o Colégio Estadual de Minas Gerais transferiu-se para Belo Horizonte por ocasião da inauguração da capital. Foi a primeira instituição de ensino secundário no Brasil a ser equiparada ao Ginásio Nacional, no Rio de Janeiro. Os alunos que ali concluíssem o ensino secundário poderiam ingressar em qualquer escola de ensino superior sem prestar o exame obrigatório no Ginásio Nacional.