Caça ao perigo vermelho

Maurício Guilherme Silva Júnior

emônios rondam o Brasil. Eles não possuem chifres, não carregam tridentes, mas, amantes da violência e da desordem, representam sério risco à integridade nacional. Alertas de tal natureza, cantilenas de exacerbação e contundência, foram recursos bastante utilizados por muitos dos responsáveis pelos períodos de autoritarismo no País contra os ditos inimigos potenciais da nação: os comunistas. O temor ao "fantasma do comunismo" estimulou o surgimento de inúmeros movimentos, tramóias políticas e grupos organizados com o intuito único de aniquilar a ameaça "vermelha".

O desejo de analisar a relação entre o anticomunismo e a instauração de regimes autoritários no País fez com que o professor Rodrigo Patto Sá Motta, do departamento de História da UFMG, escrevesse tese de doutorado sobre o assunto. O trabalho busca compreender a influência da "caça" aos comunistas nos processos históricos brasileiros que, em épocas distintas, culminaram com a implementação de governos ditatoriais.

A idéia de pesquisar o tema surgiu da vontade inicial do professor de analisar o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o "Partidão". No entanto, ao observar a bibliografia sobre o assunto, Patto deu novo rumo às suas pretensões. "Encontrei muitos trabalhos sobre o Partido e pouquíssima coisa a respeito das iniciativas anticomunistas, que tiveram papel relevante nos regimes autoritários", esclarece. Definido o objeto de estudo, o próximo passo foi encontrar as principais fontes de informação. Para isso, o historiador procurou a Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde teve acesso a livros, jornais, mensagens publicitárias e imagens que lhe revelaram histórias importantes do furor anticomunista brasileiro.

Para analisar profundamente os movimentos anticomunistas, o professor dividiu o estudo em duas vertentes. Ele buscou dissecar as ações e as representações criadas por tais grupos no Brasil. "Não me ative à descrição de práticas e episódios. Tentei compreender também o ideário e o discurso construídos em torno da questão do comunismo", explica Motta, lembrando que os comunistas eram vistos como violentos, assassinos e inimigos da religião e da moral.

Em sua tese, o professor enfatiza dois importantes panora mas históricos brasileiros. O primeiro, ligado ao período entre 1935 e 1937, quando o País estava sob o comando de Getúlio Vargas. À época, o principal algoz das forças vermelhas foi justamente o governo, que, para aniquilá-las, utilizou o poder das próprias instituições públicas. Os métodos de Vargas acirraram-se com o episódio da Intentona Comunista de 35, movimento realizado pela Aliança Nacional Libertadora e dirigido pelo Partidão. "Houve imediata reação do Estado e dos grupos conservadores contra o comunismo", ressalta Motta.

Farsa

Para "proteger-se" de atentados similares à Intentona, o governo varguista criou rapidamente a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo. "Após o levante comunista, Vargas tornou-se praticamente um ditador", conta o professor. Nos dois anos seguintes, a pretexto de combater o perigo vermelho e "tranqüilizar" a nação, o presidente conseguiu aprovar no País o estado de emergência. A luta anticomunista culminou com o Plano Cohen, uma ação pretensamente comunista - na verdade forjada pelos militares - que tentaria tomar o poder. "A farsa foi o pretexto para o golpe, a instalação da ditatura e a perseguição a comunistas e inimigos do regime".

Tese: Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964)

Autor: Rodrigo Patto Sá Motta

Defesa: outubro, junto à Universidade de São Paulo (USP)





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Nº 1299 - Ano 27 - 15.11.2000