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Nº 1325 - Ano 27 - 22.08.2001

Publicações, modismos e aforismos

Virgilio Fernandes Almeida *

ois artigos recentes sobre publicações acadêmicas, um na revista Nature e outro no The New York Times, deixaram-me com a pulga atrás da orelha. Como o mundo on-line afeta, para melhor ou para pior, a questão das publicações acadêmicas? Afinal, na academia, onde "publicar ou morrer'' é quase um dogma, o impacto das novas tecnologias sobre as publicações interessa a todos. Como fica esse dogma nos tempos da Internet, onde tudo se publica? Como fica esse dogma nos tempos atuais, em que o volume das publicações acadêmicas excede em muito a capacidade dos pesquisadores de identificar e usar as informações relevantes?

Publicar é fundamental, mas não é tudo. Basicamente, as publicações acadêmicas têm três fins: informar a comunidade interessada sobre resultados obtidos, registrar o conhecimento produzido e obter "críticas" sobre os resultados alcançados. Como o número mundial de cientistas tem crescido exponencialmente, a produção de artigos para conferências e periódicos segue o mesmo ritmo. Mais de dois milhões de artigos acadêmicos em ciência e tecnologia são publicados, anualmente, por mais de sete mil periódicos. A grande maioria desses artigos é lida por um número mínimo de leitores e quase não produz impacto. Muitos não são nunca citados por outras publicações. Claramente, a avaliação de um projeto de pesquisa não pode se restringir apenas ao número de publicações. Publicações não são e não devem ser a única medida do sucesso científico. A medida fundamental é o impacto que uma pesquisa produz nas diversas áreas do conhecimento e na sociedade. Há várias maneiras e formas de se avaliar o impacto de uma pesquisa. A inovação gerada pela pesquisa e as implicações na qualidade do ensino são algumas delas. Essa inovação, numa acepção mais ampla do termo, pode ocorrer ao longo de quatro eixos: idéias, práticas, produtos e negócios Em particular, este artigo aborda a seguinte pergunta: como as redes, as interconexões e os sistemas de comunicação alteram o processo de geração de idéias?

On-line ou invisível? Com este título, o artigo da Nature analisa o impacto da disponibilidade gratuita de artigos na Internet. A área escolhida para a análise foi a ciência da computação que, pela sua própria natureza, avança mais rapidamente do que as outras sobre essa questão da disponibilização eletrônica de periódicos e anais de conferências. A análise do impacto foi feita a partir dos índices de citação dos trabalhos. Como em computação os artigos publicados em conferências têm peso tão importante quanto artigos em periódicos, os autores analisaram 119.924 artigos de conferências. Os resultados não deixam dúvidas. Há uma forte correlação entre o número de vezes em que um artigo é citado e sua disponibilidade - principalmente gratuita - na Internet. O número médio de citações para artigos off-line, isto é, disponíveis apenas em papel, é 2,74. Enquanto isso, o número médio de citações para artigos disponíveis na Internet é 7,03. Artigos on-line são mais citados. Qual a razão? Pode-se especular. São de acesso mais fácil. Tornam-se disponíveis mais rapidamente que as versões em papel. Artigos de alta qualidade científica, gerados em instituições de grande prestígio acadêmico acabam chegando mais rapidamente ao público interessado, devido à visibilidade dessas instituições e à presença maciça delas no mundo eletrônico. Em outras palavras, os números mostram que os artigos on-line são mais visíveis e tendem a ter maior impacto.

A pesquisa científica decorre de várias motivações. Compreensão fundamental da natureza, busca da superação de problemas nacionais, aumento da competitividade e produtividade do país, diagnóstico, cura e prevenção de doenças, proteção ao meio ambiente e necessidade de formar novos cientistas e pesquisadores. Por essas razões, principalmente, os países investem em pesquisa. O artigo do The New York Times chama a atenção para um novo ponto. O modismo também pode estar se tornando uma motivação para pesquisa. Cientistas de várias áreas alertam para os dois lados da moeda. A Internet e as redes de comunicação contribuem para o avanço da ciência, mas também podem trazer distorções. Nessa época globalizada, de comunicações instantâneas, corre-se o risco de que certos temas ou idéias virem logo hegemônicos. O físico e matemático Roger Penrose, da Universidade de Oxford, afirma que as idéias da moda disseminam-se rapidamente e acabam por ter grande influência na ciência moderna, muito maior do que antes das facilidades de comunicação instantânea.

Talvez pudéssemos resumir toda essa questão da influência dos novos meios eletrônicos na pesquisa científica num velho aforismo popular: o rio corre sempre para o mar! Se por um lado há aceleração da difusão do conhecimento científico, por outro cresce o fortalecimento dos paradigmas dominantes. Uma tendência preocupante quando se trata de ciência, conhecimento e universidade. Como dizia Nélson Rodrigues: "Toda unanimidade é burra!'' É preciso que nesses novos tempos, marcados por sistemas de comunicação onipresentes e redes de informação, continuem a surgir idéias que nadem contra a maré. É preciso preservar a diversidade acadêmica.

*Professor do Departamento de Ciência da Computação do ICEx