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Nº 1356 - Ano 28 - 04.07.2002

 

O liberal e os botocudos

Livro da Editora UFMG resgata documentos de
Teófilo Otoni sobre a colonização do Vale do Mucuri

Carla Maia

lmo.Sr., vou aproveitar alguns momentos vagos para cumprir como puder a promessa que fiz, de fornecer notícias para a Memória que V. Sa. tem de oferecer ao Instituto Histórico e Geográfico acerca dos selvagens do Mucuri." Essa frase abre a carta de Teófilo Benedito Otoni a Joaquim Manuel de Macedo, escrita em março de 1858, sobre os índios da região do Vale do Rio Mucuri, local onde Otoni empreendia atividades de desbravamento e comércio. A íntegra do relato pode ser encontrada no livro Notícias sobre os selvagens do Mucuri, lançado pela Editora UFMG e organizado pela professora Regina Horta Duarte (foto), do departamento de História da Fafich.

O livro disponibiliza aos estudiosos da área dois importantes documentos históricos escritos por uma das principais figuras do cenário político do Brasil imperial: Teófilo Otoni, político liberal que fundou e dirigiu a Companhia de Navegação do Rio Mucuri, entre 1847 e 1860 (leia boxe). Nesse período, realizou intensa atividade de conquista de territórios e povoamento da região mineira, originalmente coberta por uma densa vegetação de Mata Atlântica e ocupada por tribos indígenas nômades, principalmente pelos botocudos, apelido dado pelos brancos aos índios da região, devido ao costume de usar botoques nas orelhas e lábios. Durante o desbravamento, Teófilo Otoni estabeleceu uma estratégia de aproximação diferente - em vez de recorrer à violência, traço marcante da relação da sociedade imperial com os índios, ele tentava aliar-se aos chefes indígenas, conquistando a confiança deles, o que lhe valia a permissão para construir estradas e fazendas ao longo do rio.

"Foi um importante fato histórico para Minas, pois abriu uma perspectiva de crescimento econômico e de integração do interior com o litoral", explica a professora Regina Horta, que teve acesso aos documentos através de pesquisas ao acervo do Arquivo Público Mineiro.


Agenciamento

Além do registro sobre a questão indígena, o livro traz um segundo texto de Otoni, com detalhes do agenciamento de europeus pela Companhia do Mucuri. O documento é uma resposta às acusações sofridas por Teófilo Otoni em relação às péssimas condições enfrentadas pelos imigrantes alemães, suíços, franceses, belgas e até chineses, que se estabeleceram na região. Intitulado A colonização do Mucuri - memória justificativa, em que se explica o estado atual dos colonos estabelecidos no Mucuri e as causas dos recentes acontecimentos naquela colônia, o relato de Otoni é uma longa defesa da sua relação com os colonos estrangeiros, em que o autor justifica as dificuldades do processo de fixação dos imigrantes.

Além dos dois documentos, o livro traz correspondências do período - uma carta de Otoni ao então presidente da Província de Minas Gerais, Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, na qual descreve detalhes da construção de estradas do Mucuri, e outra escrita por Roberto Schlobach, engenheiro contratado por Teófilo Otoni, e que traz informações sobre a conquista do território e os primeiros mapeamentos realizados por colonizadores. Dois mapas da região completam o volume, sendo que um deles foi desenhado pelo próprio Schlobach, em 1854.

Responsável pela apresentação, estudo introdutório, atualização ortográfica dos documentos e pelas notas explicativas da obra, a professora Regina Horta afirma que o livro vale como registro de uma época esquecida. "Ele traz à tona documentos pouco consultados, que dão dimensão da diversidade cultural do vale do Mucuri no século XIX", conclui a professora.

Um político com espírito bandeirante

Teófilo Benedito Otoni (1807-1869) foi um político de atuação marcante durante o século 19, tornando-se referência para as gerações seguintes. Nascido no Serro, em Minas Gerais, de uma família tradicionalmente liberal, Otoni logo envolveu-se com as discussões republicanas e chegou a fundar um jornal, o Sentinela do Serro.

Liderou ações decisivas durante os principais movimentos políticos de sua época, com destaque para a Abdicação de D. Pedro I, em 1831, e, principalmente, a Revolta Liberal de 1842. Com o fracasso da revolta, o político voltou-se para um novo empreendimento: a colonização do Vale do Mucuri, no Nordeste de Minas Gerais, região até então habitada por tribos indígenas nômades. Fundou a Companhia de Navegação do Vale do Mucuri, que planejou um sistema de exploração agrícola na região recorrendo à imigração de colonos europeus. À pequena cidade que se formou na região deu o nome de Filadélfia, em homenagem aos ideais americanos de república e liberdade. Mais tarde, a cidade recebeu o nome de Teófilo Otoni, em homenagem ao seu fundador. Com cerca de 130 mil habitantes, o município é um pólo econômico do Nordeste de Minas Gerais.