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Nº 1471 - Ano 31 - 3.2.2005

Trinta anos depois, o desafio da autonomia continua

Ana Maria Vieira

"Recebia muitos questionamentos do MEC, mas o problema era nos proteger dos militares: eles ficaram de olho...", relata o ex-reitor Eduardo Osório Cisalpino, sobre as dificuldades enfrentadas por sua gestão ao criar uma fundação de apoio à pesquisa na Universidade, em 1974. A instituição não se intimidou e, ao escalar como relator do processo um de seus principais pesquisadores, o físico Ramayana Gazzinelli, sinalizou ao governo que a iniciativa tinha caráter estritamente científico.

Assim surgia, há 30 anos, a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep). O cenário aliava restrições dos direitos políticos e das atividades acadêmicas à implantação da reforma universitária e às perseguições sofridas por professores e alunos. Nesse "caldeirão", o surgimento da fundação criou expectativas, pois pretendia reduzir a asfixia imposta à gestão dos recursos da Universidade.

"Precisávamos de autonomia para nos desenvolver", analisa Cisalpino. "Eu vivi a Fundep, projeto que exigia dedicação integral para se tornar realidade", relembra o ex-reitor, que se diz positivamente surpreso com a dimensão assumida pela entidade.

Parte dessa história começa a ser revisitada em homenagem aos 30 anos de criação da Fundação. As comemorações serão abertas no dia 15 de fevereiro com a realização do debate As Fundações de apoio e a universidade pública , com participação dos jornalistas Arthur Xexéo, Carlos Heitor Cony e Heródoto Barbeiro. O evento acontece no auditório da Reitoria, a partir de 14 horas. Haverá também lançamento de selo e carimbo comemorativos pelos Correios, fechamento de urna histórica a ser aberta em 2025 e inauguração da Galeria Fundep 30 anos.

Atribuições

O rol de atividades assumidas pela Fundep é extenso. Através dela são captados recursos para projetos de pesquisa e extensão junto a agências nacionais e estrangeiras. O órgão também efetua importações, contrata mão-de-obra temporária, gerencia cursos de extensão e de especialização, presta contas junto a órgãos públicos e organiza concursos para terceiros. A Fundação possibilita, ainda, que departamentos e unidades da UFMG prestem serviços remunerados à comunidade. Em artigo publicado na edição 1331 do BOLETIM, o ex-diretor Jacques Schwartzman diz que a ampliação do espaço de atuação da entidade decorre da "estrutura burocrática e dependente do governo federal" que inviabiliza a realização daquelas atividades diretamente pelas universidades.

E a Fundep foi estratégica para vencer essas amarras, diz o ex-reitor Cisalpino. Para ele, a Fundação ajudou a contornar os limites impostos pelo Decreto-Lei 200, de 1967, responsável pela regulamentação da estrutura da administração federal e pela reforma administrativa. Na época, o governo financiava a pesquisa através de um fundo de investimento em infra-estrutura e recursos humanos do BNDES. A captação era feita individualmente ou por pesquisadores que se organizavam para pleitear recursos. "Havia ilhas de pessoas trabalhando para obter financiamento e perdia-se muito tempo com o processo", conta Cisalpino. Foi aí que a UFMG decidiu, segundo o ex-reitor, criar equipe de especialistas para captar recursos em diversas agências de fomento: "É essa a origem da Fundep", resume.

"A Fundep desencadeou mudanças na relação do docente com a universidade, pois institucionalizou a captação de recursos", avalia a historiadora Maria Efigênia Lage de Resende, que está desenvolvendo pesquisa sobre a história da entidade. O material deverá resultar em livro-documento mostrando os reflexos da evolução da pesquisa científica e tecnológica na estruturação da entidade. Para Cisalpino, a criação da Fundep "deu sossego à universidade". Ao vislumbrar o futuro das fundações num cenário de autonomia universitária, o ex-reitor é cético: "Este é o nó: quando as universidades forem autônomas, não precisarão mais de fundações".


José Nagib Cotrim Árabe

"A Fundep sobreviverá à reforma universitária"*

"São boas as perspectivas da Fundep para os próximos anos. Isso não é um vaticínio, mas a projeção de um trabalho executado por um grupo coeso de profissionais com os pés no chão", afirma o diretor-executivo da Fundação, José Nagib Cotrim Árabe. Nesta entrevista, ele diz não temer pelo futuro da entidade caso a reforma universitária proponha a autonomia das instituições de ensino superior.

Qual papel das fundações num ambiente de autonomia universitária?

Vejo dois cenários extremos. No primeiro, as universidades passariam a fazer tudo aquilo que as fundações fazem. E, no outro, as fundações poderiam manter o perfil atual. Mas acredito que ocorrerá algo parecido a um meio termo: algumas das atividades exercidas atualmente pelas fundações poderão ser feitas pelas universidades. Outras até poderão ser exercutadas pelas universidades, mas estas vão continuar preferindo não exercê-las, deixando-as a cargo das fundações.

É possível especificar esses papéis?

Creio que as fundações exercerão papéis diversificados de acordo com cada universidade. Não dá para prever com precisão o que ocorrerá, até porque não há qualquer indício sobre a forma final da autonomia que será implantada nas universidades. Nenhum modelo vingará da noite para o dia.

Que atividades continuariam na órbita das fundações?

Na área de captação de recursos, um bom exemplo é a própria Fundep, agente pró-ativo de prospecção de recursos para a UFMG. A Fundep busca alternativas para financiamento de projetos de pesquisa, ensino e extensão não só no Brasil como no exterior, onde as fontes são ainda pouco exploradas. Certamente, as fundações terão papel importante no processo de transferência de tecnologia das universidades para a sociedade e ajudarão a negociar e licenciar a propriedade intelectual dos seus produtos.

*Entrevista concedida a Alberto Sena, da Gerência de Comunicação da Fundep