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Nš 1503 - Ano 32
06.10.2005



Universidade: o futuro é ágora

Laura Miccoli*

UFMG começa a deflagar o processo sucessório para o Reitorado. Pela magnitude institucional e pelo impacto que esta escolha gera na vida de professores, servidores técnico-administrativos e estudantes, e para estimular o debate, consideramos relevante tecer algumas reflexões sobre a Universidade em dois eixos: um de natureza macro _ a relação da Universidade com a área social, econômica e política _ e, no eixo micro, a reflexão sobre a teia institucional construída. Na encruzilhada desses eixos, a necessária autonomia é o elo consistente para projetar a Universidade em direção ao futuro.

No plano macro, a primeira reflexão volta-se para o anteprojeto de reforma universitária apresentado à comunidade pelo MEC que representa uma tentativa de (re)discutir o papel da Universidade em uma sociedade plural, inserida numa lógica que não mais detém a capacidade exclusiva de geração do conhecimento. Cabe ainda meditar sobre o papel da Universidade pública na constituição de marcos científicos que a diferenciem por meio do apoio permanente à pesquisa básica, do estímulo à aproximação do setor produtivo, via geração de novas tecnologias, ou de uma formação cidadã, traço marcante que distingue nossa instituição das demais.

Além dessas, há outras questões macro que merecem atenção. Os órgãos de fomento externos e internos cumprem um papel que merece ser debatido. Afinal, quem avalia os avaliadores? Numa estrutura que homogeneiza critérios para grupos com especificidades distintas, potencializa-se o reconhecimento diferenciado de pesquisadores. Além disso, a adoção de política de resultados quantitativos projeta imagens sobre pesquisa, universidade e sociedade, escamoteando diferenças de qualidade, de hegemonia de grupos, de paradigmas, de tempo de maturação, de impacto social, técnico, cultural, artístico e político, desembocando tudo na geléia geral do produtivismo _ esta bizantinice da pós-modernidade _ que o futuro intelectual terá necessariamente de questionar. A esse estado de coisas, conqüanto espontaneamente compartilha do em conversas de corredor, a Universidade não faz face por meio de uma postura crítica. Ao contrário, órgãos de fomento internos e instâncias colegiadas superiores a reproduzem, não obstante um reiterado discurso sobre a autonomia universitária e a liberdade acadêmica.

No plano micro, mais fortemente percebido pela comunidade, é indiscutível a premência de se tratar das condições de trabalho no cotidiano de professores, estudantes, técnicos e administrativos.

Quanto aos docentes, além dos salários aviltados, a política vigente exige o atendimento a critérios _ tornados mínimos pela instituição _ que sequer permitem respeitar o descanso semanal e as férias. Essa lógica induz a uma sobrecarga de trabalho que, se já não decorreu da necessidade de complementação salarial, decorre da não reposição de vagas, da expansão do alunado, de cursos de extensão, graduação e de pós-graduação. Mas isso não é tudo. Falta todo tipo de material para o exercício da docência e da pesquisa. Finalmente, além de observar um corporativismo prejudicial a interesses acadêmico-institucionais, há também uma década de descaso frente às especificidades que marcam a inserção institucional e trabalhista do corpo docente substituto.

Quanto aos estudantes, é preciso superar a orientação assistencialista que predomina. Do ponto de vista acadêmico, a relação extraclasse se limita aos trâmites burocráticos potencializados por computadores que distanciam estudantes da Universidade, isolando-a de queixas recorrentes que, se ouvidas, ameaçam o espírito institucional ou de corpo, tais como: professores ausentes ou sistematicamente atrasados, aplicação de critérios punitivos à guisa de avaliação, horários montados sem levar em consideração o melhor aproveitamento do tempo de permanência do aluno na instituição, o seu mau atendimento, bem como a ausência de uma ouvidoria para o corpo estudantil.

Quanto aos técnicos e administrativos, cabe reconhecer que é a categoria mais prejudicada sob o ponto de vista salarial, apesar da recente regulamentação de carreira, e ainda excessivamente sobrecarregada de trabalho em decorrência do arrocho no quadro dos efetivos. Anos de decadência nas condições de trabalho têm gerado distorções que se expressam, por exemplo, em exigências descabidas de pagamento de adicionais para o cumprimento de tarefas rotineiras dentro do horário de trabalho. Finalmente, é de se lamentar a exploração absurda dos funcionários terceirizados no seu salário, na extensão das tarefas a eles atribuídas e no trato entre eles, a empresa e a universidade.

O espaço público, que teve suas raízes na ágora grega, está a minguar nos debates interna e externa corporis, o que reflete e realimenta a alienação de professores, estudantes, técnicos e administrativos no cotidiano e nas representações institucionais, materializando o silêncio dos intelectuais _ no pertinente título de um seminário recente _ em meio de tanta azáfama. Um processo sucessório há de extrapolar a mera apresentação de currículos e a breve exposição de intenções para tornar-se efetivamente um momento para repensar a academia e as nossas vidas na Universidade.


*Professora da Faculdade de Letras e presidente da Apubh no período 1991-1993

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