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Nº 1504 - Ano 32
13.10.2005
Desarmamento não é panacéia
Robson Sávio Reis Souza*
o dia 23 de outubro, todos os cidadãos e cidadãs com mais de 18 e menos de 70 anos deverão comparecer às urnas para responder SIM ou NÃO à pergunta: O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?
O Brasil é o país com o maior número de pessoas mortas por armas de fogo. Em 2003, foram 108 mortes por dia, quase 40 mil no ano, segundo o sistema DataSus, do Ministério da Saúde. Ainda segundo essa fonte, a arma de fogo é a primeira causa de morte de homens jovens no Brasil, principalmente na faixa etária entre 14 e 24 anos. Os homicídios por arma de fogo matam mais que acidentes de trânsito, Aids ou qualquer outra doença ou causa externa.
A cada 13 minutos, um brasileiro é assassinado; a cada sete horas, uma pessoa é vítima de acidentes com arma de fogo; um jovem brasileiro tem 4,5 vezes mais chances de morrer do que o restante da população; em São Paulo, quase 60% dos homicídios são cometidos por pessoas sem histórico criminal e por motivos fúteis; no Rio de Janeiro, um em cada dois jovens que morrem é vítima de arma de fogo; as armas de fogo custam ao SUS mais de R$ 200 milhões por ano; a violência consome 10,5% do PIB na América Latina.
Pesquisa de vitimização realizada pelo Crisp/UFMG, em 2001, revelou que os impactos da violência no cotidiano das pessoas têm mudado radicalmente o modo de vida dos belo-horizontinos: 79,3% das vítimas de crimes sempre evitam conversar com pessoas estranhas e 68,5% tomam precauções quando saem à noite. A maior parte das pessoas entrevistadas, 64,7%, usa, como medida de proteção contra a violência, muros com mais de dois metros de altura; 5,5% dos entrevistados, moradores de bairros não-violentos, possuem uma arma de fogo em sua residência. Entre os moradores de favelas não-violentas, esse percentual é de 3,4% e de 2,1% entre os habitantes de favelas violentas. E ainda: 1,5% dos entrevistados que moram em bairros não violentos afirmaram possuir em casa duas ou mais armas de fogo, assim como 0,4% dos moradores de favelas não-violentas, mesmo percentual registrado entre moradores de favelas violentas. Assim, mesmo que o índice de indivíduos que afirmaram não possuir arma de fogo seja alto (entre 91,9% e 97,3%), o número de pessoas armadas em Belo Horizonte pode chegar a cerca de 170 mil pessoas.
No Brasil, a segurança pública sempre foi uma discussão de caserna. O referendo é uma excelente oportunidade para que os cidadãos conheçam e discutam as condições objetivas da (in)segurança em nosso país. Afinal, pesquisas de opinião têm demonstrado que, ao lado do desemprego, a violência e a insegurança são os dois principais problemas apontados pelos brasileiros.
O desarmamento não é o único remédio para os males da insegurança pública. O crime organizado, o contrabando de armas, a corrupção de agentes públicos, o tráfico de drogas e outras modalidades de crimes demandam ações e intervenções específicas do poder público: repressão qualificada; programas de prevenção; melhoria no (seletivo) sistema de justiça criminal.
Ademais, temos instituições públicas que, historicamente, foram preparadas para a defesa do patrimônio (principalmente de camadas privilegiadas), em detrimento da vida humana - notadamente dos pobres que são as maiores vítimas da criminalidade violenta e que, geralmente, não têm como se defender em meio a tanta insegurança e, não obstante, são rotulados de violentos.
Na resposta à questão do controle da violência, está em jogo o tipo de contrato existente entre a sociedade e o Estado. Não podemos esperar que o desarmamento da população seja uma solução mágica para o problema, embora a medida possa ser o primeiro passo de uma série de outras que precisam ser tomadas pelo Estado. Uma visão universalista da segurança pública deve contemplar, entre outras ações, a satisfação dos direitos sociais, principalmente dos grupos mais vulneráveis. É fundamental que as políticas de segurança explorem as capacidades institucionais e a consistência entre os níveis de governo (nacional, estadual e municipal), fomentando as especificidades de cada nível e reconhecendo seus problemas e dilemas.
Dado que o desarmamento pode significar um primeiro passo no efetivo controle, pelo Estado, da segurança pública, outras ações fundamentais precisam ser tomadas: políticas de aprimoramento, transparência e controle das agências do sistema de justiça criminal visando extirpar dessas organizações os focos coniventes com o crime organizado, restabelecendo a credibilidade de seus agentes e possibilitando a participação da sociedade como parceira na resolução de seus dilemas; implementação de mecanismos participativos de resolução de conflitos; implantação de programas de prevenção à criminalidade, possibilitando aos cidadãos ações pacíficas e democráticas e promovendo a reconstrução de vínculos que a exclusão social e econômica estão, gradualmente, deteriorando. Se essas ações não forem implementadas, o desarmamento da população não surtirá o efeito que desejamos: a diminuição do número escandaloso de homicídios no Brasil.
*Integrante do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG
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