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Nº 1520 - Ano 32
02.03.2006

O desemprego dos mais educados*

José Pastore**

o falar sobre a importância da educação na sociedade do conhecimento, meus alunos me contestaram:
1) o desemprego é muito mais grave entre os que têm curso médio do que entre os que completaram apenas as quatro primeiras séries;
2) a renda do pessoal de nível médio cai mais do que a dos menos educados;
3) a maioria dos diplomados em faculdades só encontra empregos de nível médio;
4) em contrapartida, Lula chegou à Presidência da República sem ter passado pela Universidade.

Esses contrapontos vêm tanto de calouros como de alunos (formados) de um MBA em recursos humanos. A descrença em relação aos benefícios da educação está se generalizando. A pergunta que meus alunos fazem é arrasadora: afinal, se a educação não ajuda no emprego e na renda, vamos estudar para quê?

Costumo responder com uma provocação: “Se vocês acham que a educação esteja atrapalhando, tentem a ignorância.” Mas isso não tira sua dúvida, pois, em muitos casos, eles têm razão. De fato, o desemprego no Brasil é maior entre os que completaram o ensino médio do que entre os analfabetos. Sua renda caiu mais. E, na outra ponta, muitos diplomados pelas universidades só conseguem trabalhar quando aceitam um emprego de nível médio. O que dizer sobre tudo isso?

A educação em si não cria empregos de forma direta nem eleva a renda de maneira automática. Os desajustes citados estão ligados ao baixo crescimento. Não é que sobra educação. O que falta é emprego. A criação de 1,5 milhão de postos de trabalho formais por ano, tão festejada pelo governo, é muito pouco para as necessidades do país.

Nesse ritmo, o Brasil levará mais de 30 anos para absorver os atuais 48 milhões de pessoas que trabalham na informalidade. É verdade que a oferta de pessoas com nível médio aumentou muito nos últimos anos. Em 1995, o Brasil formou 997 mil pessoas nesse nível. Em 2004, foi 1,9 milhão. Mas, na falta de empregos adequados, muitas foram obrigadas a aceitar trabalhos de renda mais baixa ou a ficar desempregadas.

Mas, voltando ao ponto básico: 1,9 milhão ainda é muito pouco para um país de 185 milhões de habitantes que precisa crescer 6% ao ano. A mesma análise serve para o ensino superior. O número de concluintes em todos os cursos subiu de 246 mil em 1995 para 625 mil em 2004, o que também é irrisório quando se sabe que a Índia e a China, por exemplo, formam cerca de 400 mil engenheiros por ano.

Na ausência de oportunidades à sua altura, os diplomados pelas universidades saem em busca de empregos que requerem qualificação mais baixa, contribuindo para o desemprego e rebaixamento da sua renda. Do outro lado, os empregadores públicos e privados tiram proveito do desequilíbrio entre a oferta de profissionais mais educados e a escassez de empregos. As exigências aumentam. Há prefeituras que requerem o segundo grau para os que se inscrevem em concurso público para serviços gerais (varredor de rua, trabalhador braçal, pessoal de limpeza, etc.).

É óbvio que a solução é criar mais empregos e não reduzir a educação. Na média, os brasileiros que trabalham têm menos de sete anos de escola – e má escola. Isso é muito pouco numa sociedade que se abre para o mundo e que tem de competir com países onde a força de trabalho tem 12 ou 15 anos de boa escola, como são os casos dos Estados Unidos, Canadá, Japão e a maior parte da União Européia. Ademais, a qualidade da nossa educação é muito baixa, como revelam as avaliações realizadas pelo MEC e por organismos internacionais. Cerca de 60% dos brasileiros sofrem de analfabetismo funcional, ou seja, não entendem o que lêem e não dominam as quatro operações aritméticas.

As exigências crescentes da sociedade do conhecimento podem ser apreciadas pela elevação da renda dos que vão além do ensino superior. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004 mostram que os profissionais que têm mestrado ou doutorado ganham o dobro do que auferem os que fizeram apenas um curso superior. Em suma, a vida está dura para quem se educou e tem de disputar uma vaga num mercado de trabalho acanhado. Isso frustra os jovens e dá a sensação de que a educação é inútil. Nada mais falso. Se os tempos estão difíceis com uma população educada, eles serão catastróficos com uma população ignorante.


*Artigo publicado em O Estado de São Paulo, de 21 de fevereiro
**Professor da Faculdade de Economia e Administração da USP

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