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Nº 1530 - Ano 32
11.05.2006

Palavras com identidade

Pesquisa da Fale analisa estilo literário dos contadores
de “causos” do Norte de Minas

Maurício Guilherme Silva Jr.

iante dele, o respeito se converte em silêncio. Ciente do seu poderio, ele não se faz de rogado: em segundos, fita os olhos da platéia, formada por crianças, adolescentes e adultos, e se prepara para abrir um baú sui generis, repleto de imaginações e universos paralelos. Figura popular em certas comunidades rurais, o contador de histórias exibe sua verve literária capaz de “hipnotizar” seus atentos interlocutores: em cada gesto, ritmo, ênfase ou repetição de palavra reside a essência de seu estilo.


A idéia de estudar as características da prosódia – variações de altura, intensidade, tom, duração e ritmo da fala – dos contadores mineiros foi o que levou a fonoaudióloga Maria Cristina Ribeiro Schmidlin a escrever a dissertação O estilo do conto oral: um estudo das marcas estéticas em contadores rurais, defendida em março na Faculdade de Letras.

Em seu estudo, Maria Cristina analisou a performance de nove contadores de “causos” dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri. Na investigação, valeu-se de entrevistas e gravações feitas pelo grupo Quem conta um conto, aumenta um ponto, também da Faculdade de Letras. “Além de gravar as histórias, os pesquisadores realizaram entrevistas com os contadores sobre sua trajetória pessoal”, explica.

Ao ter acesso ao material – 15 contos e nove entrevistas –, Maria Cristina Ribeiro investigou os recursos estilísticos que diferenciavam o discurso do contador em situações corriqueiras daquele utilizado no momento solene de narrar suas histórias.

Ênfase narrativa
A idéia de promover um “raio-x” do discurso dos contadores culminou com um trabalho que analisou características literárias, fonéticas, lingüísticas e fonoaudiológicas da prosódia dos personagens. “Tentei compreender o que há de especial na voz do contador ao relatar uma história”, esclarece Maria Cristina Schmidlin.

Em primeiro lugar, a pesquisadora constatou que, durante os “causos”, a repetição de termos garante ênfase à narrativa. Em um deles, ao comentar a trajetória de três personagens, o contador sublinha: “E lá vai, lá vai, lá vai...”. Noutra história, a repetição é recurso empregado para ilustrar a agonia de um animal à beira da morte: “Foi roncando, roncando, roncando, até que acabou de morrer de todo”. Segundo a pesquisadora, a seqüência de termos iguais revela “a tentativa de dar ênfase ao conto pela monotonia”. O modo cadenciado de narrar é outra estratégia: “Ao relatar uma história, o contador fala muito mais devagar, como forma de prender a atenção do ouvinte”, completa.

A análise interdisciplinar de Maria Cristina também registrou, por meio de software especial – o Winpitch – as diferenças de tessitura da voz dos contadores ao falar da própria vida ou ao contar “causos”. “Eles passam do grave para o agudo com freqüência muito maior do que a de um indivíduo que conversa com um amigo”, revela. Para se ter uma idéia, num bate-papo normal, o interlocutor chega a utilizar, no máximo, 18 semitons da escala musical. “Os contadores atingem graus muito mais elevados. Só a média utilizada por eles, de 16,4 semitons, já é bem próxima ao valor máximo alcançado numa conversa normal”, explica.

Todas essas estratégias resultam num discurso instigante, capaz de prender a atenção do ouvinte. Que o diga o seu silêncio reverente.

Dissertação: O estilo do conto oral: um estudo das marcas estéticas em
contadores rurais

Autora: Maria Cristina Ribeiro Schmidlin
Orientadora: professora Sônia Queiroz
Defesa: 13 de março, dentro do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras