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Nº 1625 - Ano 34
12.09.2008

opiniao

Uma época que não sai da memória*

Roque de Barros Laraia**

Em 1957, o curso de graduação História e Geografia tinha se dividido em dois cursos: História e Geografia. Optei pelo primeiro. Ainda vigia o regime seriado e a minha “turma” era constituída de 12 alunos (sete mulheres e cinco homens). O curso fazia parte da Faculdade de Filosofia que funcionava do 19o ao 23o andar do Edifício Acaiaca, um prédio comercial que abrigava, em seu andar térreo, um cinema e uma famosa boate.

Apagões elétricos eram constantes, o que nos obrigava, muitas vezes, a descer 20 andares pela escada. Contávamos, então, com uma biblioteca muito pequena. E invejávamos os alunos da Faculdade de Ciências Econômicas que dispunham de um restaurante. No 19o andar, existia uma pequena cantina que era o ponto de encontro dos estudantes nos intervalos de aulas.

Apesar das dificuldades, a nossa turma era muito entusiasmada e, no ano seguinte, criamos um Centro de Estudos de História, cuja sede resumia-se em um armário em uma sala de aula. Organizávamos cursos extracurriculares com disciplinas que considerávamos importantes para a nossa formação. Os professores eram os próprios alunos e eu fiquei encarregado de organizar um curso de pré-história. Algumas poucas vezes criamos coragem para convidar algum professor para fazer uma conferência. Lembro-me a alegria que tivemos quando Francisco Iglésias aceitou o nosso convite, ele que era professor da Faculdade de Ciência Econômicas e já considerado um dos mais importantes historiadores de Minas.

Em 1958, com o apoio da Faculdade de Filosofia fomos até o Rio de Janeiro para participar do Primeiro Encontro Nacional de Estudantes de História, onde conheci Roberto Da Matta, que representava os estudantes de Niterói, e Júlio Cezar Melatti, de Petrópolis, que são hoje meus colegas e amigos. No ano seguinte, coube-nos o papel de anfitriões recebendo os estudantes de fora para o Segundo Encontro. Trinta anos depois, os alunos de História da USP convidaram-me para fazer uma palestra no Primeiro Encontro Nacional de Estudantes de História e ficaram surpresos quando me referi ao encontro de 1958.

Em um tempo em que alunos e professores iam às aulas de terno e gravata, o contato entre o corpo discente e o docente era muito distante. Colaborava para isso o fato de que a maioria dos alunos e dos professores não mantinha uma dedicação integral à Faculdade. Eu mesmo, na parte da tarde, trabalhava no IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários), situado na esquina da rua Tupinambás com avenida Amazonas, a poucos passos do edifício Acaiaca. A nossa integração com outros institutos da Universidade era praticamente nula em conseqüência da falta de um campus.

Em 1959, fiz parte da Comissão de Formatura. Maria Luiza, uma formanda do curso de Química, que então fazia parte do meu círculo de amizades, queixou-se de que os nossos cursos nunca conseguiam eleger o paraninfo da turma, privilégios dos cursos de Letras e Pedagogia, possuidores de uma grande parte do corpo discente. Sugeri uma aliança entre os formandos dos cursos de pouca freqüência, entre eles a História e a Química. Foi assim que Aluisio Pimenta, catedrático de Química, foi eleito paraninfo da turma de formandos de 1959.

Lembro-me dos nomes de alguns colegas: Anette, Déa, Helena, Maria Inez, Sebastiana, Urquiza e Zenaide. Caio. Durval, Edmundo e Osni (omiti os sobrenomes porque não sei mais todos eles). Quase 50 anos depois, lamento o fato de ter perdido contato com quase todos esses colegas. Soube que três deles já morreram. Mas, nesses anos todos, os mantive vivos em minha memória, recordando com alegria do tempo feliz em que estivemos juntos.

Em fevereiro de 1960, voltei à Faculdade. E no quadro de avisos li o edital de um Curso de Teoria e Pesquisa em Antropologia Social do Museu Nacional, em nível de pós-graduação. Foi naquele momento que comecei uma nova fase em minha vida!

*Texto enviado à coordenação do Programa Sempre UFMG

**Antropólogo e professor emérito da Universidade de Brasília. Graduado em História pela UFMG e homenageado com a Medalha de Honra

Lembranças dos tempos da UFMG*

Nilson Naves**

Era a última prova do vestibular – prova oral. Disso não me esqueço nunca. Jamais a cena se apagou da minha memória: os examinadores (Edgar Godoi, Lydio Machado e Lourenço), as perguntas, a palpitação do momento... Sairiam os resultados finais ainda naquela noite. Terminei a prova e fui ao cinema, ao Guarani, ao lado da Faculdade. Era filme francês – Les amants.

Se me lembro do nome? E como me lembro; das cenas, não, até porque a minha cabeça estava toda ela voltada à proclamação, daí a pouco, dos resultados finais do vestibular – emoção que não se repete! Voltando, pois, à sala de entrada da Faculdade, foi com anormal pulsação, de angustiado que estava, que me vi realizado ao ver o meu nome entre os aprovados. Iniciava-se, naquele momento, entre abraços e apertos de mãos, também entre expressivos hurras, tamanha a felicidade, a viagem de todos – e que viagem! –, a minha principalmente, por esse fascinante fenômeno que se denomina Direito.O que sou e fui e ainda o que serei devo, em bom tamanho, à minha Escola – a Casa de Afonso Pena.

Naqueles anos, se fui atrevido e desobediente – suponho que sim –, irreverente e reformador, fui de igual forma ativista e inconformado. Ou melhor, fui e sou. Sou porque, até hoje, quando defendo, no Superior Tribunal, medidas sociopolíticas menos gravosas, vejo-me de volta, irreverente e reformador, ativista e inconformado, aos bancos acadêmicos e me lembro da minha participação nos movimentos de então: a greve por um terço de representação dos alunos na Congregação; as eleições do Centro Acadêmico (eu, primeiranista, fui escolhido, entre tantos alunos, candidato à vice-presidência na chapa da UDU-FAR, mas perdemos a eleição); a minha escolha, depois, para representar os alunos na Congregação; as reformas econômico-políticas, às quais todos nos dedicamos de corpo e alma; os acalorados debates políticos; o clube de oratória; a intensa participação nos diversos acontecimentos da Escola e da política de modo geral. Ficou de tudo um pouco.

É claro que meus tempos de UFMG não cabem nestas aligeiradas linhas. Fui breve em falar dos fatos que me marcaram naqueles anos que não tive pressa de viver. Se tivesse de resumir minha passagem por lá, eu diria que fui do grupo dos sonhadores. Sonhamos tanto, que realizamos os sonhos: mudamos os costumes, alteramos o Brasil, ajudamos a mudar o mundo, o mundo... Por que não o mundo? Não foi atrevimento. É realidade.

*Texto enviado à coordenação do Programa Sempre UFMG

**Ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Formado em Direito pela UFMG e homenageado com a Medalha de Honra

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