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Nº 1637 - Ano 35
08.12.2008

Gênero e raça na sala de aula

Pesquisadora acompanhou aulas de Português em escola pública para observar o surgimento de estereótipos

Itamar Rigueira Jr.

Foca Lisboa
Elānia de Oliveira
Elânia de Oliveira: construção de uma escola democrática passa pelo respeito às diferenças

Professora de Português no Centro Pedagógico, pesquisadora e militante das ações afirmativas, Elânia de Oliveira passou a ser procurada pelos colegas, nos últimos anos, com questionamentos sobre situações do dia-a-dia da escola que envolviam manifestações racistas. Esse fato, aliado à preocupação com a aplicação de lei recente que determina a inclusão das culturas africana e indígena nos currículos da educação básica, serviu de motivação para a definição da abordagem da tese de doutorado de Elânia. Ela resolveu estudar a relação entre o ensino de Português e a visibilidade ou não de questões de raça e de gênero, entre outras, no ambiente da sala de aula.

Durante o ano de 2005, Elânia de Oliveira analisou uma turma de terceira série do ensino fundamental em uma escola pública de Belo Horizonte. Observou os alunos dentro e fora de sala de aula e o desenrolar das atividades, incluindo material didático e o discurso da professora. “Meu objetivo foi conhecer como os adolescentes criam, constroem e reproduzem relações presentes na sociedade”, explica a professora, que está lotada na Faculdade de Letras da UFMG e defendeu a tese na Faculdade de Educação. Interessada menos no que era dito e feito na sala de aula do que nas intenções e nas conseqüências disso, Elânia fixou o olhar sobre a forma pela qual gestos e palavras se repetiam. Para isso, ela filmou todas as aulas, utilizando esse recurso para resgatar o fluxo de interação.

Outro aspecto importante para a análise da pesquisadora foram as diferenças de perspectiva do ensino de Português. A orientação tem sido na direção de uma abordagem discursiva, com ênfase no texto e na argumentação, combinada à preocupação com a gramática e a ortografia. “Tal perspectiva favorece o trabalho com questões relacionadas à identidade e à ética e valoriza o respeito às diferenças, quebrando a regra de veiculação do padrão do homem branco, heterossexual, de classe média”, diz Elânia.

A pesquisadora encontrou aulas ainda predominantemente normativas e também não confirmou uma expectativa sobre o trabalho da professora da turma: embora inserida em um processo de formação de docentes para questões da diversidade, ela não incluía essa discussão no dia-a-dia da classe.

Xingamento e revide

Elânia revela ainda que questões de gênero surgiram durante as aulas, e de forma estereotipada, como na atribuição de características às meninas (tranqüilas, estudiosas) e aos meninos (barulhentos, dispersos). E que eles reagiam a determinadas formas como eram tratados no material didático. Questões de raça apareceram muito mais no que ela chama de contexto não-oficial, paralelo ao da transmissão de conteúdo, sob controle da professora. Xingamentos racistas marcavam conversas que muitas vezes tinham tom de brincadeira.

A pesquisadora observa que os adolescentes percebem a diferença de cor e escolhem palavras que têm peso social. E ressalta que os negros não se comportavam, em seu ambiente de pesquisa, como vítimas, revidando sempre. “Presenciei reações com argumento científico. Um adolescente negro chegou a dizer, por exemplo, que um menino branco era irmão do chimpanzé que estava no zoológico”, ela conta.

De acordo com Elânia, seu trabalho reforça a necessidade de levar informação e discussão sobre história e literatura dos povos africanos e indígenas para a sala de aula e para os livros didáticos, como determina a lei. Ela também chama a atenção para a importância de que as aulas de Português abram espaço, por meio da valorização da redação e da exposição de idéias, para a reflexão em torno de questões como identidade e respeito às diferenças. “São passos fundamentais para a construção de uma escola democrática e inclusiva. E não se trata apenas de incluir o negro, mas de incluir a criança branca na discussão”, defende Elânia de Oliveira.

Tese: Relações étnico-raciais e de gênero e o discurso da sala de aula de português: uma abordagem etnográfica interacional
Autora: Elânia de Oliveira
Orientadora: Maria Lucia Castanheira
Co-orientadora: Nilma Lino Gomes
Programa: Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social
Defesa: 17 de novembro de 2008