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Nº 1648 - Ano 35
13.4.2009

A dama do carbono

Patrícia Azevedo

Foca Lisboa
Mildred Dresselhaus
Mildred: 50 anos dedicados à ciência

De casaco de lã vermelho, Mildred Dresselhaus pode parecer apenas mais uma senhora cativante com seus cabelos brancos presos por tranças. Mas não foi a sua simpatia que atraiu as centenas de jovens que lotaram o auditório da Reitoria da UFMG para ouvi-la com atenção e interesse.

Dona de extenso e prestigiado currículo, a pesquisadora norte-americana é considerada uma das maiores físicas da atualidade, referência mundial em nanotecnologia e grande incentivadora da participação feminina na ciência. Formada em física com doutorado em supercondutividade elétrica, Mildred atua como professora de engenharia elétrica e pesquisadora do Laboratório Lincoln do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

Ao longo de sua carreira, desenvolveu importantes estudos sobre supercondutores, semicondutores e estrutura eletrônica do carbono, que ajudaram a impulsionar as pesquisas em nanociência. “São mais de 50 anos de contribuição à ciência. Ela começou com o grafite, que é um material de carbono, até chegar aos nanotubos de carbono”, atesta o professor Marcos Pimenta, do Departamento de Física do ICEx, e um dos principais especialistas brasileiros no assunto.

Ela presidiu as sociedades norte-americanas de Física e para o Avanço da Ciência e assessorou o Departamento de Energia dos Estados Unidos durante o governo de Bill Clinton. Perto de completar 80 anos, Mildred não pensa em diminuir o ritmo. Mãe de quatro filhos, todos cientistas, ela se diz “uma eterna apaixonada pela física”. No início de abril, esteve em Belo Horizonte para participar de atividades no Departamento de Física da UFMG, com o qual desenvolve parceria há mais de 10 anos, e realizar conferência no ciclo Sentimentos do Mundo. Antes de proferir a palestra, que teve como tema Nanotecnologia e desafios energéticos para o século XXI, Mildred conversou com jornalistas. Confira alguns trechos da conversa:

Origem da nanotecnologia

Voltando no tempo das civilizações antigas, podemos constatar que a tecnologia existe há mil anos, talvez mais. Foi através dela que progredimos. A diferença é que temos agora novas categorias, entre elas a nonotecnologia, que trabalha com uma escala extremamente reduzida. Nanômetro é uma parte um bilhão de vezes menor que o metro, realmente muito pequena. Não é possível ver a nanotecnologia diretamente, mas ela está no seu computador, por exemplo. As interações biológicas que controlam a vida, as conexões entre as células e moléculas também acontecem na escala nano. O problema é que, por muitos anos, não podíamos examinar partículas tão pequenas porque não existiam equipamentos adequados.

Revolução

As propriedades dos materiais são muito diferentes quando trabalhadas em escalas tão reduzidas. A nanotecnologia permite a manipulação dos átomos para, por exemplo, armazenar mais energia. Sabemos muito sobre essas técnicas em laboratório, mas elas não são devidamente aplicadas na indústria. Não temos ainda o controle apropriado, mas isso acontecerá em breve. Uma ‘revolução’ que será liderada pelos jovens de hoje.

Crise energética

Há cerca de 50 anos, nós já sabíamos que a energia seria um dos principais desafios deste século. No entanto, não nos mobilizamos efetivamente para enfrentá-lo. Houve uma queda na reserva dos combustíveis fósseis, os preços subiram, e então começamos a planejar essa transição energética, que ainda é um desafio. Não há dinheiro para investir em todas as áreas, então diria que deveriam investir no treinameto de pessoas. A expectativa é que a demanda por energia triplique até 2100.

Desafios

Temos várias tecnologias que irão desempenhar algum papel nesta transição, inclusive a nanotecnologia. Precisamos apenas aprender a controlar melhor os materiais e aplicar esse conhecimento na indústria. Já é possível utilizar a nanotecnologia para converter a energia solar em calor e eletricidade. Mas esse é um processo caro e restrito. O desafio é tornar tal tecnologia mais barata e acessível para a população. O sol é uma inesgotável fonte de energia, por que não utilizá-la?

Carreira

Quando era criança, não conseguia escolher entre física e matemática. Mas o que realmente decidiu meu futuro foi o fato de ter ganhado uma bolsa para estudar no Reino Unido e desenvolver projetos na área de física. Mais tarde, o trabalho com a nanotecnologia veio naturalmente. Quando fazemos ciência, tentamos solucionar os problemas e perguntar quais interações produzem determinado fenômeno. Fico entusiasmada com a ciência e a tecnologia, a curiosidade me impulsionou. Tive também muita sorte em minha carreira de ministrar disciplinas em importantes institutos, com alunos muito bons, como vocês têm aqui, que são muito desafiadores, que fazem perguntas. Isso me leva a descobrir as respostas.

Mulheres na ciência

Durante a minha carreira, o fato de ser mulher representou vantagem em alguns aspectos e desvantagem em outros. Finalizei meu doutorado na década de 50, quando apenas 2% dos títulos de doutor eram concedidos a mulheres. Não havia trabalhos para mulheres, ainda não éramos parte do sistema, mas decidi seguir em frente, esperando utilizar meu doutorado para produzir alguma coisa. Mas não tinha consciência que meu trabalho acabaria tendo tanto impacto. As alunas não esperavam muito da atividade, porque atuavam em áreas consideradas masculinas, mas elas me viram dando aulas e isso foi bom.