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Nº 1648 - Ano 35
13.4.2009

Manual antigo para historiadores

Texto do século 2 sobre como escrever a história ganha tradução e análise de Jacyntho Lins Brandão, da Fale

Itamar Rigueira Jr.

Um texto escrito em grego no século 2 levou Jacyntho Lins Brandão, doutor em letras clássicas e diretor da Faculdade de Letras da UFMG, a debruçar-se sobre uma atividade que está longe de ser a sua predileta: a tradução. Ele foi convencido pelo interesse de pesquisadores da Universidade de Brasília, que buscam aprofundar as reflexões sobre história. Como se deve escrever a história, de Luciano de Samósata, é o único texto antigo sobre o tema que chegou até os dias de hoje, e só contava com traduções feitas em Portugal no século 18. A obra, que será lançada este mês, é bilíngue e inclui um ensaio de autoria do próprio Jacyntho Lins Brandão.

Nascido sírio, nas bordas do Império Romano, e com formação grega, Luciano de Samósata foi um escritor satírico, que produziu de diversos gêneros de ficção a ensaios sobre temas como filosofia e medicina. Foi muito criticado (chamado de gozador e falsário, entre outros adjetivos), mas nunca deixou de ser lido, porque a qualidade de sua escrita é incontestável. No Ocidente, sua obra foi resgatada no Renascimento, na esteira do interesse pelos estudos da língua e da cultura gregas. “Luciano foi um dos primeiros autores traduzidos, e Como se deve escrever a história tornou-se um manual sobre o assunto”, conta Jacyntho Brandão.

Na primeira parte do texto, Luciano de Samósata dedica-se à crítica dos historiadores que contavam a história com base no elogio ao Império Romano, civilizado, em luta contra a barbárie. “A partir de determinado ponto é que a obra ganha característica de tratado, com aplicação universal”, conta o professor da Fale. “O início é na verdade um panfleto, porque Luciano critica o poderio de Roma ao condenar a forma com que o Império é elogiado.”

Quando ensina a escrever história, o autor prega o que chama de “história justa”, marcada pela falta de compromisso com outros interesses. Esse modelo seria encarnado – solitariamente, segundo Luciano – por Tucídides, cronista da guerra do Peloponeso, no século 5 a.C. Jacintho explica que Tucídides tinha outra qualidade recomendada por Luciano: escrever bem. “Ele criticava os historiadores que escreviam como poetas e exageravam os fatos, mas não admitia linguagem vulgar. Preconizava um estilo médio, culto, mas inteligível”, salienta Jacyntho Brandão, que é professor de Língua e Literatura Grega.

‘Como se deve traduzir’

Esta foi a primeira vez que Jacyntho Brandão traduziu um texto antigo. E sua versão é a primeira em português brasileiro do tratado de Luciano de Samósata. O tradutor ressalta que optou pela forma contemporânea, usando, por exemplo, você e vocês em vez de tu e vós – e gostou do resultado. Quanto a seu ensaio, que examina interpretações do texto, os três primeiros capítulos foram escritos antes do projeto da tradução, para apresentação em seminários na França, onde Jacyntho esteve em 2001 como professor-visitante da École des Hautes Études en Sciences Sociales.

Sobre as traduções de Como se deve escrever a história feitas em Portugal, no século 18, Brandão relata fatos interessantes em sua introdução ao livro. Em 1733, publicaram-se, num mesmo volume, as versões dos frades Jacinto de São Miguel, cronista da Ordem de São Jerônimo, e Manoel de Santo Antônio, bibliotecário do Real Mosteiro de Belém. “O objetivo principal era valorizar a necessidade do registro dos feitos de Portugal, mas a obra tornou-se uma disputa sobre ‘como se deve traduzir’: uma corrente defendia a tradução literal e a outra, a livre”, conta Jacyntho. Na segunda metade do século, padre Custódio de Oliveira fez uma terceira tradução, motivado pela urgência de – como ele escreveu ao Marquês de Pombal, homem forte do reino – “deixar à posteridade monumentos dignos de suas ilustres ações”. Luciano de Samósata não aprovaria.



Livro: Como se deve escrever a história
De Luciano de Samósata
Tradução e ensaio de Jacyntho Lins Brandão
Tessitura Editora
278 páginas