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Nº 1650 - Ano 35
27.4.2009

Universidade de cocar

Com larga experiência em educação indígena,
UFMG terá participação decisiva em conferência
que discutirá os rumos da área

Filipe Chaves
Índios participaram de reunião preparatória na UFMG

Léo Rodrigues

“Todo dia era dia de índio, mas agora eles só têm o dia 19 de abril”. As estrofes de Jorge Ben Jor denunciam a exclusão da população indígena após a chegada dos portugueses em território brasileiro. Mas este ano, três dias antes do Dia do Índio, um encontro na Faculdade de Educação (FaE) demonstrou que a luta pela inclusão da população indígena continua vigorosa: no dia 16, representantes de etnias mineiras e especialistas em educação indígena se reuniram em encontro preparatório para uma série de eventos que culminará na 1ª Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (Coneei), em setembro.

Organizado pelo Ministério da Educação (MEC), pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e por comissões de índios, a 1ª Coneei é uma reivindicação antiga do movimento indígena. Em 2005, quando o próprio MEC realizou seminários específicos para tratar dos ensinos fundamental e médio, lideranças indígenas afirmaram que tal divisão era incompatível com a realidade e a cultura das aldeias. Eles defendiam que a educação fosse tratada no seu conjunto, em um evento único.

O desejo se concretizará na 1ª Coneei e em diversos outros eventos que acontecerão antes dela: serão 18 conferências estaduais, inúmeras conferências locais e reuniões preparatórias. No decorrer do processo, serão discutidos os objetivos, avanços e desafios do ensino indígena no Brasil, estabelecendo parâmetros para o desenvolvimento de políticas públicas.

A UFMG participa da comissão organizadora da Conferência Regional de Educação Escolar Indígena, que envolve os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e será realizada entre 30 de junho e 3 de julho, em local a ser definido. A Universidade assumirá os trabalhos de sistematização e vários professores foram convidados para mesas de debates. O evento contará com a participação de 200 delegados, dos quais 140 serão líderes e professores indígenas e 60 representarão instituições envolvidas no tema. Entre estes últimos, cinco serão indicados pela UFMG.

Andrea Cristina, da etnia Tupiniquim, veio do Espírito Santo para a reunião na FaE. Ela é uma das organizadoras da Conferência Regional e ressalta que os encontros locais são o principal momento de todo o processo, pois neles as aldeias serão ouvidas. “Os índios devem ser os protagonistas de sua educação”, defende ela.

A importância da participação da UFMG nas conferências regional e nacional se traduz, sobretudo, pela possibilidade de apresentar uma experiência de sucesso. Em 2006, a UFMG iniciou, em parceria com a Secretaria de Estado de Educação, o curso de Licenciatura Indígena, voltado para 140 professores indígenas mineiros que haviam concluído o magistério. Eles contam com duas opções de formação – na primeira, são capacitados a dar aulas multidisciplinares para alunos de 1ª a 8ª série; na segunda, recebem qualificação para ministrar aulas no ensino médio, concentrando-se em uma das quatro áreas de conhecimento: matemática; ciências naturais; ciências sociais e humanidades; e letras, arte e literatura.

Diálogo intercultural

O curso encerra-se em 2010. A professora Ana Gomes, coordenadora do colegiado, explica que a experiência é pautada no diálogo intercultural. “A realidade das aldeias é sempre considerada. São desenvolvidas atividades tanto na UFMG como nas próprias comunidades, com o objetivo de não desenraizar o sujeito. Estamos atentos às necessidades de cada aldeia e tentamos adequar o ensino aos aspectos culturais, levando em conta, por exemplo, a característica bilíngue de algumas etnias”, relata.

Francisco Sousa Santos, da etnia Xacriabá, conta que o curso superior sempre foi uma reivindicação do movimento indígena, mas que parecia uma realidade distante. Ele acredita que o contato com pesquisadores da Universidade nas aldeias constituiu passo importante. “Alguns levaram a nossa reivindicação para dentro da academia”, afirma.

Reuni

A preocupação da UFMG com a educação indígena foi reafirmada no ano passado, quando a instituição aprovou, entre os novos cursos abertos com a chancela do Reuni, a criação de curso regular de Licenciatura Indígena. Com entrada anual de 35 alunos, a Licenciatura será voltada para índios não apenas de Minas Gerais, mas de todo o Brasil. Diferentemente da experiência anterior, os novos estudantes não precisarão ser professores atuantes e, quando se formarem, estarão habilitados para dar aulas apenas no ensino médio. A primeira turma iniciará as aulas no segundo semestre deste ano e terá estudantes de quatro etnias diferentes. Eles foram selecionados no Vestibular 2009, no qual se inscreveram 101 candidatos. Fizeram provas de redação e de questões abertas, cujos conteúdos seguiram os parâmetros do ensino médio indígena instituídos pela Lei de Diretrizes e Bases.

A partir do próximo Vestibular, o processo de escolha dos estudantes incluirá nova etapa: uma pré-seleção nas aldeias de origem. Somente índios que portarem uma carta de indicação da sua aldeia poderão se inscrever no concurso “Geralmente leva-se em conta o trabalho que o índio desenvolve na comunidade e qual o retorno que ele dará ao seu povo após a conclusão dos estudos”, justifica o índio Francisco Santos.