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Nº 1650 - Ano 35
27.4.2009

Método de risco

Pesquisa demonstra falhas de procedimento preconizado
pela OMS para detectar DSTs em jovens brasileiras

Léo Rodrigues

Foca Lisboa
Mark Guimarães: eficiência do score de risco sob suspetia

Para contornar as dificuldades de acesso a laboratórios nos países em desenvolvimento, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou, há 15 anos, um método para detectar Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Baseado na aplicação de questionário que avalia a probabilidade de mulheres jovens terem clamídia e gonorreia em função do seu comportamento e das características de seus parceiros, o chamado score de risco apresentou índice de acerto pouco superior a 20% no primeiro estudo realizado no Brasil com a finalidade de avaliar a eficácia do procedimento entre adolescentes de 15 a 19 anos.

Os testes foram feitos com moradoras da periferia de Goiânia por especialistas da Universidade Federal de Goiás (UFG), da UFMG e do Programa Saúde da Família (PSF). Das 106 adolescentes que apresentaram score de risco positivo, apenas 22 estavam, de fato, infectadas, segundo atestaram exames laboratoriais. O método da OMS também foi incapaz de detectar a presença de DSTs em 47 jovens infectadas. Ao todo, 427 mulheres foram examinadas, sendo que 14,5% tinham gonorreia e 2,1%, clamídia, índices considerados altos pelos médicos.

Se no caso das jovens goianas o score de risco fosse tomado como referência para prescrição de tratamento, considerável número de adolescentes saudáveis seriam instruídas a tomar medicamento desnecessariamente, enquanto outras, portadoras de gonorreia ou de clamídia, deixariam de receber a devida assistência. Os resultados do estudo, coordenado pela professora Maria de Fátima Alves, da UFG, foram publicados no mês passado na prestigiosa revista BMC Medicine, da Inglaterra. A pesquisa é financiada pelo programa de combate à aids do Ministério da Saúde.

O score

Os procedimentos recomendados pela OMS são usados para detectar, em pessoas do sexo feminino, gonorreia e clamídia, duas das DSTs mais comuns. O método, que no Brasil é recomendado pelo Ministério da Saúde, consiste em questionário com cinco itens. É perguntado à paciente se ela tem parceiro com corrimento, se possui menos de 20 anos, se manteve relacionamento com mais de uma pessoa nos últimos três meses, se arrumou novo parceiro no mesmo período e se não possui companheiro fixo. A cada ‘sim’, a paciente soma um ponto, com exceção do primeiro item, que vale dois pontos.

Segundo a OMS, devem ser submetidas ao tratamento as mulheres que somarem dois ou mais pontos. É o que os médicos chamam de abordagem sindrômica – a bactéria não é detectada laboratorialmente, mas, com base nas respostas, infere-se que é grande a probabilidade da pessoa abordada estar com a doença. O método da OMS foi elaborado para ser aplicado somente diante da dificuldade de realização de exames laboratoriais.

Embora utilizada pelo Ministério da Saúde, a aplicação do score nunca havia sido testada cientificamente em populações adolescentes brasileiras. O professor Mark Drew Crosland Guimarães, da Faculdade de Medicina da UFMG, é responsável pela metodologia da pesquisa. Ele informa que as jovens foram convidadas a se dirigirem ao posto de saúde a partir de procedimento amostral probabilístico (aleatório) de base populacional. Lá fizeram uma entrevista sobre saúde, que questionava, entre outros aspectos, se tinham vida sexual ativa. As adolescentes que responderam positivamente à pergunta foram então convidadas para uma nova entrevista para aplicação do score de risco. Para avaliar a eficácia do método da OMS, elas se submeteram a exame ginecológico e a testes laboratoriais. Todos os procedimentos da pesquisa foram precedidos por assinatura de termo de consentimento.

Combate à aids

Segundo Mark Guimarães, o resultado preocupa, mas outros estudos são necessários para aprofundar as conclusões. “Ficou demonstrado que o método é ineficaz para um perfil específico de população. Verificamos que, entre essas jovens, há alta prevalência de infecções assintomáticas. Em outras populações, em que tais características não são verificadas, talvez a performance do score de risco seja mais adequada”, diz ele.

Para o professor Mark, a prevenção de DSTs não pode ficar restrita à abordagem sindrômica. “As autoridades precisam buscar procedimentos e exames mais baratos para diagnóstico dessas doenças”, defende. A própria pesquisa, na sua conclusão, aponta alguns caminhos. Ela sugere, por exemplo, a adoção de uma educação sexual que envolva família, escola, órgãos de saúde e parceiros.

Pessoas com clamídia e gonorreia têm chances ampliadas de serem infectadas pelo vírus da aids. Por isso, o combate a esta doença exige métodos capazes de diagnosticar eficazmente outras DSTs. “Elas causam feridas e inflamações nas mucosas e pele dos genitais, facilitando a transmissão do HIV. Além disso, o organismo dos portadores de gonorreia e clamídia transportam um volume muito grande de células TCD4 para a região dos genitais; o vírus HIV vale-se exatamente dessas células como porta de entrada”, explica Mark Guimarães.