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Nº 1678 - Ano 36
30.11.2009

opiniao

Em defesa da escola

Sônia Pinto de Carvalho*

Na edição 1676, de 16/11/2009, deste BOLETIM, há uma matéria a respeito da décima edição da UFMG Jovem, que começa dizendo: “Convide um adolescente a passar um dia inteiro estudando física, matemática ou biologia. Imediatamente ele se lembrará das longas e entediantes aulas; das noites de sono desperdiçadas sobre um livro cheio de equações e termos ininteligíveis; e das temidas avaliações”. E usa esta ideia como contraponto para promover a UFMG Jovem.

Ora, digo eu, convide um adolescente para aprender a tocar piano, com aulas teóricas e práticas três vezes por semana, fora o tempo necessário de dedicação extraclasse. Ou convide-o a fazer musculação três vezes por semana, repetindo o mesmo movimento em três séries de 15 vezes, com intervalos de um minuto entre elas, e desenvolvendo as mesmas séries por semanas a fio.

Na verdade, a frase poderia ser apenas: convide um adolescente a passar um dia inteiro estudando e ponto! Não preciso de mais nada para ter uma ideia do que pode acontecer. Tudo que envolve disciplina, que pede tempo para ser conseguido e cujos sucesso e compreensão necessitam de construção não é valorizado pela juventude (atual ou de sempre, não sei dizer).

Mas convide agora um bando de adolescentes amigos para passear de ônibus até a UFMG, passar o dia sem muitos horários, conversando e rindo com os colegas, vendo gatinhas e gatinhos de outras escolas, com dois brindes adicionais: sem aulas e com um monte de coisas superinteressantes para ver, tocar, descobrir.

Esta é uma maneira comum de propagandear eventos de divulgação científica: dizer que a escola é chata, entediante, mas que, por outro lado, o que propomos é legal! Ora, ao falarmos dessa maneira, esquecemos totalmente do papel complementar que tais exposições, feiras, eventos de divulgação exercem em relação à escola. Mesmo no primeiro mundo, onde as escolas são muito mais equipadas, museus e eventos de divulgação científica são fundamentais. Em uma visita à Cité de l’Espace, em Toulouse, vi uma das estações espaciais MIR (com tudo dentro, é fantástica!). Ora, que escola pode ter isto?

Muitas vezes confundimos informação, motivação e primeira abordagem com conhecimento. Acreditamos que basta ler na internet ou ver um programa no Discovery Channel para sabermos tudo sobre Alzheimer ou sobre o sistema solar. Mas, na verdade, ao assistirmos a um programa do gênero, passamos a estar mais informados sobre esses assuntos, mas se quisermos agir sobre eles, esse tipo de informação não é nem de longe suficiente.

Eu gosto muito de dizer a meus alunos que assisto a todos os jogos da seleção masculina de vôlei; que presto muita atenção e que sei descrever com detalhes o que se deve fazer para bloquear um ponteiro. Mas tente me colocar em quadra e imediatamente fica claro que jogar vôlei é muito mais do que ver e observar.

Também é óbvio que eu não estaria aqui, escrevendo essas linhas, não fossem minhas “longas e entediantes aulas” da língua pátria. E na verdade, esses alunos que aprendem tanto com a UFMG Jovem o fazem porque frequentam uma escola, onde aprendem muitas coisas, inclusive as que lhes permitirão curtir o evento ao máximo.

Quanto às “temidas avaliações”, colocadas também como contraponto, em geral, ao trabalho de divulgação científica, fico pensando nos 17 milhões de alunos que se submeteram às provas da Olimpíada de Matemática para a Escola Pública (Obmep), em 2008. Será que têm tanto medo assim? De uma prova que não são obrigados a fazer?

Voltemos à questão da escola: será que é bom continuarmos com essa ideia de que a escola é chata, as aulas são entediantes, os alunos são desinteressados? Com certeza, a grande maioria das nossas aulas não é assim. As aulas na UFMG não são assim. As aulas de meus alunos da Licenciatura não são assim. Então, por que usar chavões para depreciar instituições tão importantes quanto a escola? Temos visto trabalhos belíssimos de alunos e professores das redes pública e particular, transformando crianças e adolescentes em cidadãos responsáveis e capazes de gerenciar uma vida adulta plena e produtiva. E cá entre nós: quem nunca viu um bando de adolescentes chateados porque estão de férias e não têm o que fazer?

Finalmente, gostaria de comentar mais uma ideia que aparece na matéria em questão, que também me parece um chavão: que os livros de ciências estão cheios “de equações e termos ininteligíveis” e que eventos como a UFMG Jovem atraem “jovens ávidos por um conhecimento ‘descomplicado’”. Antes de mais nada, que bom que existem jovens ávidos por conhecimento. Mas, infelizmente, aprender e dominar qualquer tema, assunto, ideia, esporte, instrumento musical ou seja lá o que for, de maneira a torná-lo descomplicado, exige disciplina, tempo de trabalho, horas e horas de repetição, chatices e falta de ânimo, enfim, tudo isso que pretensamente a juventude (ou a maioria das pessoas) não quer. Mas, então, o que dizer dos medalhistas da Obmep, que vêm à Universidade, aos sábados, estudar matemática com professores da UFMG?

Volto a ressaltar que a UFMG Jovem é legal e que iniciativas desse tipo devem ser incentivadas a acontecer sempre. Só não concordo com o uso de chavões que depreciem a escola e a ciência para valorizar algo que não precisa disso para ser interessante.

*Professora do Departamento de Matemática do ICEx/UFMG

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