Busca no site da UFMG

Nº 1682 - Ano 36
8.2.2010

Para reagir com inteligência

UFMG e Fiocruz pesquisam mecanismos que modulam o sistema imunológico à ação da doença

Foca Lisboa
Gazzinelli: estudos para reduzir sintomas e letalidade da malária

Ana Rita Araújo

Inibir as respostas do sistema imunológico, de modo a atenuar as reações do organismo infectado, tem-se revelado caminho promissor na luta contra a malária, doença que atinge anualmente cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Estudos recentes realizados sob orientação do professor Ricardo Gazzinelli, pesquisador do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), demonstram que a reação do sistema imunológico causa mais danos do que a própria doença.

A hipótese foi confirmada na tese de doutorado O papel dos receptores do tipo Toll na malária, orientada por Gazzinelli e defendida no final de 2009 pelo biólogo Bernardo Franklin, da Fiocruz. “Trabalhamos em Belo Horizonte com modelos de camundongos e com humanos em Porto Velho (RO). Conseguimos identificar nas células do sistema imune um receptor – o TLR9 – que é a chave da reação exagerada à doença”, conta Bernardo Franklin. O trabalho é parte de uma série de estudos coordenados por Gazzinelli que integram a Rede Malária, iniciativa do governo federal e de fundações de apoio à pesquisa de sete estados brasileiros.

A percepção de que o parasita por si não era o causador dos sintomas de uma doença que a cada ano provoca a morte de cerca de dois milhões de pessoas no mundo abriu novas possibilidades para as pesquisas. “Acreditamos que o grande responsável pela patologia da malária é o sistema imune inato, a parte que possui respostas prontas sem necessidade do encontro prévio com o patógeno”, informa Gazzinelli. Segundo ele, na ocorrência de algumas doenças, como a malária, há uma ativação excessiva e descontrolada desse sistema. “Estamos procurando formas de controlar a resposta do organismo infectado, para minimizar os sintomas e a letalidade”, diz.

Em outra linha, o grupo coordenado por Gazzinelli pesquisa a imunidade que o organismo adquire a partir do contato com o patógeno. “Nossa ideia é procurar os chamados marcadores de resistência ou respostas imunológicas dos pacientes associados à resistência à infecção. Isso pode ajudar no desenvolvimento de vacinas”, explica.

A pesquisa que desenvolve a respeito do sistema imune inato rendeu a Gazzinelli o Prêmio da Academia de Ciências do Terceiro Mundo (TWAS – Third World Academy of Sciences) do ano de 2009 na categoria Ciências Médicas. Ele apresentará seu trabalho no 21º Encontro Geral da TWAS, ainda este ano. “Foi uma honra receber esse prêmio por indicação da Academia Brasileira de Ciências. Está relacionado a um trabalho de 15 ou 20 anos, em que me dediquei a entender o papel da resposta imune inata no controle de parasitas e na patologia da doença. O projeto da malária está nesse contexto”, resume o professor.

Sintomas

Ao aplicar na pesquisa todo o arsenal de conhecimento sobre o sistema imune, o biólogo Bernardo Franklin concentrou sua atenção nos receptores do tipo Toll, proteínas responsáveis pelo reconhecimento de patógenos e por disparar os mecanismos microbicidas do sistema imunológico. “Quando o sistema imune inato encontra grande número de parasitas, passa a produzir mediadores inflamatórios (citocinas pró-inflamatórias) em quantidades tão grandes, no caso da malária, que causam febre, dores de cabeça e outros sintomas”, afirma Gazzinelli.

Segundo Bernardo Franklin, embora o papel dos receptores do tipo Toll já fosse conhecido em doenças como toxoplasmose, tuberculose e leishmaniose, não havia estudos conclusivos em relação à malária. Nos seres humanos já se conhecem 11 receptores do gênero, dos quais nove são funcionais, cada um especializado em reconhecer uma categoria de patógenos, desde vírus até vermes.

Franklin identificou o TLR9 como o responsável, na presença do patógeno da malária, por fazer com que as células produzam citocinas, moléculas fundamentais do sistema imunológico. “Sob os efeitos de citocinas, algumas células induzem fatores tóxicos para bactérias, parasitas ou vírus. Outras possuem a capacidade de reduzir a disponibilidade de nutrientes como ferro e aminoácidos, na tentativa de impedir que o parasita use esse estoque celular para sobreviver”, exemplifica o pesquisador.

Ele explica que, mesmo estando infectado pelo parasita causador da malária, o organismo, ao ter o receptor TLR9 desativado, passa a produzir níveis de citocinas suficientes apenas para controlar a parasitemia, sem gerar os sintomas. “Criamos uma droga que não ataca o parasita, mas inibe o receptor”, informa Franklin. A droga, que tem depósito internacional de patente, está sendo testada em colaboração entre a Fiocruz e a Universidade de Massachusetts, dos Estados Unidos. Bernardo Franklin comenta que, se o medicamento tiver o efeito esperado, o sistema imunológico do paciente agirá de forma branda ao tomar contato com o parasita da malária. “A ideia é associar o medicamento com tratamento convencional antiparasita para reduzir as reações imunológicas e levar à cura”, adverte o pesquisador.

Doença negligenciada

Uma das doenças de maior incidência no mundo, a malária ocorre no Brasil sobretudo na chamada Amazônia Legal – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do estado do Maranhão – onde são registrados cerca de 500 mil casos por ano. A maior parte das infecções (80%) é causada pelo parasita Plasmodium vivax. O principal vetor da doença no continente latino-americano é o mosquito Anopheles darlingi.

“A malária provocada pelo Plasmodium vivax ainda é uma doença negligenciada, por isso é importante criar competência, e o Brasil está em boas condições de assumir a liderança nessa área”, acredita o pesquisador Ricardo Gazzinelli. Em sua opinião, o fomento para as pesquisas no país está na medida necessária. “Hoje há um aporte financeiro significativo, tanto das agências governamentais federais quanto das estaduais, mas a pesquisa sofre com a burocracia no uso dos recursos e na importação de materiais”, avalia Gazzinelli. Segundo ele, há grande morosidade na liberação de importações. “A ciência é algo dinâmico, não pode esperar três meses pela compra de um reagente. Nenhum país vai conseguir desenvolver ciência se tiver suas fronteiras fechadas para a importação de material de pesquisa”, ressalta.

Leia também: