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Nº 1682 - Ano 36
8.2.2010

Linguista à primeira vista

Itamar Rigueira Jr.

Ele ministra um curso por ano na pós-graduação da Faculdade de Letras, tem hoje seis alunos sob sua orientação e desenvolve pesquisa em sintaxe e semântica dos verbos do português falado. Aposentado desde 1999, e depois de passar por duas universidades americanas e por uma instituição privada no Brasil, o professor Mário Alberto Perini voltou à UFMG como voluntário. E tem colecionado provas de reconhecimento. No último ano, foi homenageado na Argentina, onde deu cursos para professores de português e seus livros têm feito sucesso, e foi escolhido em votação na internet para receber a Medalha Isidoro de Sevilha de Destaque em Linguística e Filologia, concedida pelo Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos.

“Essas homenagens, da mesma forma que o Prêmio Fundep (que recebeu em 1996), são legítimas porque resultam de escolhas de colegas e alunos”, diz Perini. Os prêmios revelam que as pessoas prestam atenção em nosso trabalho e até certo ponto o aprovam”, ele afirma, para justificar a satisfação com a lembrança de seu nome, que passa a figurar, no caso do Círculo Fluminense, ao lado dos de Antônio Houaiss, Celso Cunha e Aurélio Buarque de Holanda.

Mário Perini começou na UFMG há pouco mais de 40 anos para realizar uma história de “amor à primeira vista”. Ele se declara fascinado por línguas desde os 11 anos. Trabalhou com o latim, depois com o português e a teoria da linguagem. Nos anos 80, pesquisou aprendizagem da leitura, desenvolvendo técnicas para auxiliar os alunos a ler com fluência. Mais recentemente, explorou as aplicações da gramática ao ensino do português para estrangeiros. Publicou dois livros nos Estados Unidos: Modern portuguese e Manual da pronúncia brasileira (Talking brazilian), ambos pela editora da Universidade de Yale, que se somam a vários outros no Brasil. E se prepara para lançar mais um: Gramática do português brasileiro (editora Parábola).

Universo a descobrir

Aos 66 anos, Perini tem pelo menos um motivo para não pensar em parar de trabalhar. Segundo ele, o português ainda é pouquíssimo conhecido. “Há um universo de fenômenos que não foram estudados. A língua é vinculada ao conhecimento do mundo e a tudo que temos na memória, não há como entender uma coisa sem a outra”, afirma o professor, que alerta para a ilusão do senso comum de que as gramáticas tradicionais contêm tudo. Perini também se diz assustado com a falta de compromisso da linguística atual com os fatos. “São teorias mirabolantes, escritas poeticamente, mas sem fundamentação empírica. E a linguística sofre com o relativismo cultural, que defende a ideia de que os fatos não são importantes e de que há verdades diferentes para culturas diferentes”, critica. O tom é o mesmo diante da pergunta sobre a recente reforma ortográfica da língua portuguesa. “A reforma é insustentável do ponto de vista linguístico, e seria perfeitamente inútil se não tivesse sido prejudicial”, dispara.

Se os prêmios testemunham a relevância da contribuição acadêmica, depoimentos chamam a atenção para outros aspectos. Heliana Mello, ex-aluna e hoje colega na Fale, lembra que Mário Perini é dono de grande inteligência e senso de humor. “Ele sempre incentivou os jovens pesquisadores e publicou também obras de divulgação científica”, ela acrescenta. Tommaso Raso, também professor da Unidade, destaca o prazer de encontrar o colega nos corredores ou para um almoço. “Com ele é possível discutir linguística de maneira relaxada. Ele alcança resultados científicos importantes trabalhando de maneira generosa e equilibrada, sem perder o foco nas prioridades da vida e das relações com as outras pessoas”, avalia Raso.

E os defeitos? Perini não se furta à confissão: “Sou preguiçoso, inclusive para ler o trabalho de outros linguistas, até porque a maioria escreve de forma pouco clara. E tenho cada vez menos paciência para alunos que vêm pedir ideias. Quero que eles tragam as ideias para que possamos desenvolvê-las juntos”, comenta.

Casado com a professora Lucia Fulgêncio, também da Fale, e pai de dois homens na faixa dos 30 anos, gerados em união anterior, Mário Alberto Perini conta que lê muito, gosta de ver futebol na televisão e toca flauta. Mas os hobbies terão que esperar muito pela exclusividade em seu dia a dia. “Penso em começar a curtir a vida aos 95”, ele brinca.