Busca no site da UFMG

Nº 1688 - Ano 36
29.3.2010

Na contramão da correria

Documentário sobre arte urbana lançado por professora da Belas-Artes reflete sobre a pressa e o consumismo

Itamar Rigueira Jr.

Duas mil filipetas coloridas com desenhos de pássaros flutuam sobre o cruzamento da Praça Sete, no centro de Belo Horizonte. Canteiros que dividem avenidas exibem flores de papel celofane. Muros de terrenos abandonados aparecem azulejados (os desenhos são impressos e colados à maneira dos cartazes de publicidade).

Quem faz essa e outras artes nas ruas da cidade é a dupla Poro, formada há sete anos pela professora de Desenho da Escola de Belas-Artes Brígida Campbell e seu ex-colega na graduação (na própria EBA) Marcelo Terça-Nada, hoje envolvido com artes visuais e mídias eletrônicas. E o trabalho deles acaba de ser transformado no documentário Poro – Intervenções urbanas e ações efêmeras, realizado em parceria com a Associação Imagem Comunitária.

No filme de 20 minutos, os artistas quase só aparecem falando em off – o foco está nas ações que buscam fazer um contraponto à cultura da correria e da publicidade espetacular que rege a vida nas grandes cidades. Brígida explica: “No meio da confusão de um mundo tão fragmentado, a arte aponta para um outro caminho, uma visualidade nova.”

Em ações como as dos pássaros e das flores, o trabalho da dupla tenta trazer à tona questões como o lugar da natureza no espaço urbano e a oposição entre naturalidade e artificialidade. Quando optam pela impressão de azulejos e outros desenhos em papel-jornal, Brígida e Marcelo evocam mídias tradicionais e populares, repetindo o suporte precário dos panfletos que, por exemplo, anunciam serviços de cartomantes e vendedores de ouro.

‘Nonsense’

Pontuado por canções contemporâneas escolhidas simplesmente por afinidade, Poro – Intervenções urbanas e ações efêmeras (http://poro.redezero.org/video/documentario) não segue ordem cronológica: prefere o ritmo ditado pelas conexões entre os trabalhos da dupla, que também tem planos de registrar sua trajetória em livro, com muitas imagens e textos críticos. O tema da arte urbana esteve, por sinal, e de outro modo, ligado à vida de Brígida durante a pesquisa de mestrado: ela defendeu em 2007 a dissertação “Canteiro de obras: deriva sobre uma cidade-pesquisa habitada por práticas artísticas no espaço público”.

O documentário mostra outra forma de apropriação pelos artistas da propaganda urbana. Faixas suspensas diante de carros parados nos sinais de trânsito levam frases meio nonsense, como “Veja através” e “Perca tempo” – o contrário do que prega o bombardeio de imagens e sons voltados para o consumo e o movimento veloz. “Com essas ações, queremos promover uma interrupção do cotidiano”, diz Brígida Campbell, acrescentando que as frases são feitas para pensar, e para que cada um entenda do seu jeito. “Não vamos facilitar, que é o que em geral faz a publicidade.”

Um dos slogans exibidos pela dupla diz: “Superfície da cidade – tudo é propaganda na linha dos meus olhos”. A artista lembra que as pessoas olham para cima quando caminham pelas ruas, e que o Poro quer fazer que elas baixem o olhar, numa postura mais introspectiva. “A gente vê o uso privado do espaço público, o imaginário da cidade está cooptado pelo mercado”, denuncia Brígida. “A arte ínfima quer descobrir frestas nessa lógica e atuar como micropolítica de subversão.”