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Nº 1701 - Ano 36
28.6.2010
Itamar Rigueira Jr.
Para milhões de brasileiros, segunda-feira é dia de curtir a alegria ou a tristeza pelos resultados do futebol no fim de semana. Para um grupo de 18 professores e alunos da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, é tempo de deixar a paixão de lado e retomar o assunto sob outros ângulos. Eles integram o Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (Gefut), que já comemora as primeiras dissertações defendidas, estuda o perfil dos torcedores mineiros e estende suas pesquisas a novos campos como o do futebol virtual.
O grupo surgiu em 2006 a partir de pesquisa encomendada pelo Ministério dos Esportes que teve o objetivo de verificar o cumprimento do Estatuto do Torcedor em estádios de seis capitais. O interesse sobre o assunto acompanha tendência bastante nova no ambiente acadêmico. “Apenas nas últimas décadas a Educação Física começou a intensificar o diálogo com as ciências sociais e humanas. O futebol era tratado por diversas áreas de conhecimento como espaço de alienação, ‘o ópio do povo’”, diz o professor Silvio Ricardo da Silva, coordenador do grupo.
“No nosso caso, procuramos entender o torcedor a partir do que chamamos lógica do pertencimento”, explica Silvio, que é carioca e “vascaíno de quatro costados”, como ele se define usando expressão do gosto de antigos torcedores do Vasco da Gama – como o avô, de quem herdou a paixão. Estudo sobre a torcida de seu clube rendeu-lhe o título de doutor pela Unicamp. Aprofundar conhecimentos sobre a relação entre torcedores e clubes de futebol torna-se ainda mais relevante, segundo Silvio Ricardo da Silva, quando se percebe tamanha transformação do futebol, tratado por muitos como puro negócio. O pesquisador mostra-se preocupado com a elitização do esporte e o afastamento do torcedor em relação às tradições de seu time. “A mobilização das pessoas é em torno do clube, não da empresa patrocinadora, que ganha cada vez mais espaço”, diz Silvio, que co-organizou o livro Levantamento da produção sobre futebol nas ciências humanas e sociais de 1980 a 2007, produzido pelo Gefut em parceria com o Ministério dos Esportes. A obra mostra com fartura de números o crescimento do interesse pelo futebol na área acadêmica nas últimas décadas. Entre outros projetos, o Gefut recém-estreou na Rádio UFMG Educativa o programa Óbvio Ululante.
A questão da torcida no futebol no ambiente da escola pública foi tratada na dissertação de mestrado de Luiz Gustavo Nicácio, integrante do Gefut. Ele percebeu que o assunto é muito presente entre os alunos, mas que os professores ainda não lançam mão do fenômeno como recurso pedagógico. Os professores reclamam da falta de material, como vídeos e textos. O pesquisador entrevistou 66 professores de ensino médio em escolas de 61 bairros de Belo Horizonte.
Aqueles que já levam a temática das torcidas para suas aulas relatam que a violência ocupa lugar de destaque nas discussões. Mais um motivo para que Nicácio defenda que se explore o assunto. “Torcer certamente não se aprende na escola, mas o fenômeno pode ser espaço para reflexão desta forma tão adorada pelos brasileiros de se engajar no futebol”, escreveu ele em artigo recente para o site Ludopédio.
Outra dissertação produzida no âmbito do grupo mostra o perfil sociológico das torcedoras do Cruzeiro Esporte Clube que frequentam o Mineirão, e a relação estabelecida por elas com o clube e com o estádio. A análise das respostas a 443 questionários e 14 entrevistas feitas por Priscila Campos revela que essas mulheres têm idades, profissões e condições econômicas variadas e que a maioria delas vai ao estádio como opção de lazer. Segundo Priscila, a presença das mulheres tem sido constante, embora se reconfigure ao longo do tempo, e elas não aparecem nas estatísticas de forma separada, o que seria importante para um atendimento diferenciado.
Mas ela ressalta outro aspecto importante. “Os resultados da pesquisa mostram como é intensa e tensa a relação da torcedora com o estádio. Ao mesmo tempo em que ela busca o seu espaço, adota a forma masculina de torcer. Isso dificulta sua inserção legítima nesse ambiente e não estimula o respeito a formas variadas de torcer e de manifestar o pertencimento clubístico”, afirma a pesquisadora do Gefut.