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Nº 1736 - Ano 37
02.05.2011

ITÁLIA no Horizonte

Pesquisa investiga presença italiana nas ruas da capital mineira

Marcos Fernandes

Os jovens que hoje frequentam a Praça da Savassi, a Igreja de Lourdes e o Parque Municipal talvez não imaginem que por trás da história da construção desses locais existe uma forte participação italiana. É o que comprovam as 183 ruas que receberam nomes de homens e mulheres que vieram da “terra da pizza” para erguer a nova capital de Minas Gerais e que foram tema de estudo da pesquisadora Zuleide Filgueiras.

Detalhe: Zuleide não é especialista em estudos urbanos. Sua pesquisa foi apresentada como dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos no início de abril. Ela conta que estava em busca de tema para a dissertação sobre toponímia urbana, quando, caminhando pelas ruas da cidade, em especial do bairro Caiçara, onde morou, notou que várias placas registravam antropotopônimos – nomes de lugares motivados por nomes de pessoas – de origem italiana.

Para chegar aos 183 antropotopônimos, Zuleide lançou mão do mapa oficial do município, desenvolvido pela Prodabel, que contém os mais de 14 mil logradouros da cidade. Em sua seleção, ela excluiu os que não tinham nomes de pessoas ou que pertenciam a outra nacionalidade. Entretanto, seria preciso ainda comprovar que os “italianos” do mapeamento eram de fato italianos, não somente herdeiros do sobrenome de um cônjuge.

Para confirmar a origem, a pesquisadora recorreu à ajuda de italianos natos, entrevistou familiares dos homenageados, consultou os cadastros de imigrantes dos portos de Santos, Rio de Janeiro e Espírito Santo, analisou dados da Hospedaria Horta Barbosa – que funcionava em Juiz de Fora e acolhia estrangeiros que desembarcavam no litoral e tinham Minas Gerais como destino – e realizou pesquisa histórica nos arquivos, museus e Cemitério do Bonfim. Para confirmar as grafias das placas dos logradouros, visitou cada um dos possíveis antropotopônimos. “Até em beco eu fui”, brinca ela, numa referência ao Beco Natali, no bairro Novo Glória.

Polivalentes

Com a abolição da escravatura em 1888 e o prazo de quatro anos para finalizar a construção de Belo Horizonte (de 1893 a 1897), a saída foi recorrer à mão de obra estrangeira, e a Itália, imersa em grave crise econômica, se transformou em centro fornecedor de trabalhadores. Entre as obras que os europeus ajudaram a erguer, destacam-se a Santa Casa, o Palácio da Liberdade e o Edifício Maletta (reformado e transformado em hotel por Arcângelo Maletta).

A pesquisa de Zuleide apontou outro dado interessante: os construtores eram “polivalentes”. Cada um exercia, pelo menos, três atividades, entre elas algum ofício relacionado à arte. Conversando com familiares, ela conheceu histórias como a de Alfredo Guzella (cujo antropotopônimo está localizado no bairro Planalto), dentista, médico, farmacêutico prático e calceteiro – responsável pelo assentamento dos paralelepípedos da Praça da Liberdade –, Walter Ianni (bairro São Gabriel), dono de fábrica de móveis e luthier de violinos, e Igino Bonfioli (bairro Jaraguá), registrado como mecânico ajustador, fabricante de cigarros, tipógrafo, vidraceiro e cineasta – ele dirigiu o primeiro filme rodado na jovem capital mineira, A canção da primavera, de 1923.

O interesse pelo futebol também deu notoriedade aos imigrantes: vinte e um deles foram fundadores, dirigentes ou jogadores do Palestra Itália, atual Cruzeiro Esporte Clube, como Afonso Ricaldoni (Castelo), Attílio Turci (Caiçara), Felício Brandi (Bandeirantes), Miguel Perrela (Castelo), entre outros.

Dicionário

Animada com os resultados do estudo, Zuleide pretende dar continuidade ao trabalho. “Quero elaborar um dicionário biográfico dos imigrantes”, revela. Para divulgação dos dados em Minas e na Itália, ela produzirá, em parceria com a professora Sônia Queiroz, da Faculdade de Letras, um livreto bilíngue com curiosidades sobre o passado histórico de Belo Horizonte.

Placa - Avenida Alfredo Balena

Italianos da ‘gema’

Conheça breves perfis de alguns italianos que deixaram sua marca em Belo Horizonte:

 

• Victor Purri (Santa Cruz) – Dono de fundição inaugurada em 1903, fabricou quase todos os bueiros e bocas de lobo da nascente capital. Até hoje é possível encontrar o sobrenome Purri em alguns bueiros.

• Arcângelo Maletta (praça do bairro Santa Lúcia) e Felício Rocho (Santa Cruz) – Dois importantes hoteleiros da cidade. O primeiro era dono do Grande Hotel (onde fica o Edifício Maletta) e o segundo, proprietário do Hotel Internacional, atualmente conhecido como Hotel Itatiaia.

• Raffaelo Berti (Mangabeiras) – Arquiteto, assinou os prédios da Prefeitura de Belo Horizonte, da Santa Casa de Misericórdia, do Hospital Odilon Behrens, da sede social do Minas Tênis Clube e do Hospital Felício Rocho.

• Família Natali (Novo Glória) – Dona de marmoraria que forneceu quase todo o mármore utilizado no Cemitério do Bonfim, no Palácio da Justiça e no Palácio da Liberdade.

• Alfredo Balena (Santa Efigênia) – Foi um dos fundadores, em 1911, da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, hoje Faculdade de Medicina da UFMG.

Dissertação: A presença italiana em nomes de ruas de Belo Horizonte: passado e presente
Autora: Zuleide Ferreira Filgueiras
Defesa: 4 de abril
Programa: Pós-graduação em Estudos Linguísticos, da Faculdade de Letras
Orientadora: Maria Cândida Trindade Costa de Seabra