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Nº 1749 - Ano 37
19.9.2011


O estilo brasileiro de colonizar

O Brasil organizou seus projetos científicos na Antártica a partir de 1982, com a instituição do Proantar. Tantos anos depois, relatar a história e a lógica dessa colonização científica entrou no rol de pesquisas de antropólogos. Espaço transnacional, explorado também com interesses nacionais, a Antártica é, para esse grupo de cientistas, local de ambiguidades.

Um dos especialistas que se dedica à questão, o doutorando em antropologia social pela UnB Luís Guilherme Resende de Assis integra a missão liderada pela UFMG para observar, nas bases científicas instaladas pelo continente, as relações do que ele nomeia entre a logística e as ciências e a história da constituição de hotspots humanos e os gateways para o Antártico.

“Meu objetivo é entender o estilo brasileiro de colonização científica da Antártica. Colonização aqui não tem nada a ver com reivindicações territoriais. Pelo contrário, é sobre como um Estado nacional se constrói em um cenário político que evita territorialidades nacionais, em nome de um novo vocabulário colonial: a cooperação chamada internacional, a paz, a ciência e o transnacionalismo geridos pelo Sistema do Tratado da Antártida e as instituições a ele ligadas”, escreve, em seu blog na Association of Polar Early Career Scientists (Apecs).

Com previsão de defesa de tese para o próximo ano, o tema de estudo de Luís Guilherme foi comentado por Andrés Zarankin, entre outras questões, em entrevista ao BOLETIM:

A pesquisa sobre a exploração científica na Antártica é uma segunda linha de trabalho do programa Paisagens em Branco, coordenada pelo senhor. O que motivou esse interesse?

Quisemos incorporar estudos também da antropologia no programa, e a colonização científica da Antártica é um tema importante, pois ele foi se transformando através do tempo. Há 200 anos, quando foi oficialmente descoberto, o continente era, sobretudo, um espaço para explorar recursos. Depois, na segunda metade do século 19, tornou-se o local da aventura e dos aventureiros, da aposta sobre quem chegaria primeiro ao Polo Sul, da busca de novas espécies. E a partir da metade do século 20, transformou-se no espaço da ciência, do conhecimento. O fato de o mesmo continente ter identidades tão distintas não é algo natural, pois decorre de ambições culturais e sociais sobre ele. E a antropologia está trabalhando isso, tentando compreender como cada país se aproxima da Antártica, como organiza sua logística, quantas bases possui e como elas funcionam.

O trabalho está trazendo contribuições para a arqueologia histórica brasileira? O tema antártico parece distante de um país tropical...

Às vezes o erro é pensar que a ciência e a contribuição ao conhecimento devam ser interno. Os grandes países não fazem simplesmente ciência interna. Estudam absolutamente tudo. Acho que as fronteiras são elementos arbitrários. Há 200 anos elas não existiam. Então, o que estamos construindo é o conhecimento chamado internacional, universal, sobre o impacto da chegada do ser humano a um território que não tinha humanos; a chegada de um sistema, o capitalismo, a esse espaço e como, em poucos anos, o tem degradado, destruído e consumido. A partir dessas informações, talvez aprendamos a não repetir os erros e saber para onde estamos indo.

Quem são os parceiros do país nesse trabalho?

É um projeto trinacional, que envolve Brasil, Chile e Argentina. Mas esse trabalho de arqueologia e antropologia antártica é único, em todo o mundo, com esse viés. Austrália, Estados Unidos e África do Sul têm projetos na área, mas fazem escavações em locais específicos de importância histórica. Nós estamos abrindo um caminho para, de fato, estudar a primeira ocupação antártica na área de arqueologia e antropologia. É um projeto de enorme visibilidade internacional. Ao mesmo tempo, a parceria com outros países da América do Sul permite esse crescimento conjunto. Os projetos antárticos latino-americanos, no momento, estão tentando se integrar e acho que o nosso programa é um exemplo bem-sucedido.