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Nº 1773 - Ano 38
30.4.2012

Pela harmonia entre enxerto e hospedeiro

Estudo pode ajudar a reduzir mortalidade causada por doença que acomete transplantados de medula óssea

Itamar Rigueira Jr.

Quarenta por cento dos indivíduos que recebem transplante de medula óssea, como estratégia clínica para tratamento de leucemias e outros tipos de cânceres ou doenças autoimunes, são acometidos da doença do enxerto-versus-hospedeiro (GVHD, sigla em inglês de graft-versus-host disease). A enfermidade é de difícil controle e se caracteriza por forte resposta inflamatória e imune contra o indivíduo transplantado – atinge órgãos como fígado, intestino, pulmão e pele e tem alta taxa de mortalidade.

Pesquisadores do Departamento de Morfologia do ICB da UFMG mostraram, em estudo publicado recentemente no Journal of Leukocyte Biology, que a ausência nas células transplantadas de um receptor de importante molécula inflamatória conhecida como PAF (fator de ativação de plaquetas) diminuiu em 100% a mortalidade em camundongos acometidos pela doença do enxerto-versus-hospedeiro.

A estratégia que visa impedir a interação do PAF com o receptor pode ser genética – “produzem-se animais que não têm o seu receptor“ – ou farmacológica, quando uma droga impede a interação do PAF com o receptor. O grupo do ICB utilizou as duas estratégias para estudar a patogênese, com efeitos preventivos semelhantes.

“Optamos pelo PAF porque é uma molécula que participa de várias respostas inflamatórias sistêmicas graves e pelo fato de já existirem drogas testadas em humanos”, explica a professora Vanessa Pinho, orientadora da tese de doutorado de Marina Castor, principal trabalho relacionado à descoberta. Entretanto, são necessários testes em outros modelos, antes de serem realizados estudos pré-clínicos com a droga.

De acordo com os resultados da pesquisa, o receptor para o PAF está envolvido no processo de migração das células transplantadas para os órgãos afetados na doença, principalmente fígado e intestino. “O bloqueio do receptor reduziu a migração das células inflamatórias para aqueles órgãos e, consequentemente, diminuiu a lesão e a morbidade e mortalidade associadas à doença em camundongos”, explica Marina Castor.

Imunossupressão

Ainda de acordo com a pesquisadora, o estudo envolveu o transplante de células entre cobaias geneticamente diferentes. Antes desse procedimento, camundongos que receberiam o transplante foram submetidos a processo de imunossupressão através de regime de condicionamento, também realizado em humanos. O processo se caracteriza pela aplicação de dose subletal de irradiação (os camundongos recebem radiação gama para eliminar parte das células do seu sistema imune, condição importante para que ocorra a GVHD em modelos experimentais). Em seguida, foram injetadas células imunocompetentes de camundongos geneticamente diferentes. “As células transplantadas migraram para os órgãos imunes do recebedor e os reconheceram como organismos estranhos”, diz Vanessa. “Esses agentes se proliferaram e migraram para outros órgãos, levando a uma resposta inflamatória grave, o que caracteriza a doença do enxerto-versus-hospedeiro.”

De acordo com as pesquisadoras, outra faceta interessante dos resultados do estudo publicado recentemente é o fato de a ausência do receptor nas células doadas não interferir em sua capacidade de destruir as células tumorais remanescentes, o que é fundamental para a cura da doença original. “Essa reação contra o tumor remanescente (conhecida como resposta do enxerto contra o tumor) é muito importante para a eliminação de células tumorais que resistem à quimioterapia e à radioterapia”, explica Marina Castor.

De acordo com Vanessa Pinho, os estudos realizados no âmbito do Laboratório de Inflamação e Resolução do Departamento de Morfologia mostraram que o PAF é um vilão importante e que, ao interferir na ação de moléculas dessa natureza, é possível controlar a doença. “O conhecimento gerado pelo nosso trabalho pode ser usado como ferramenta para o estudo clínico do papel do PAF e gerar terapia eficaz para o controle da GVHD”, afirma a professora, que é doutora em Bioquímica e Imunologia e pesquisa a doença desde 2004, junto com Marina Castor. Ela informa ainda que o grupo investiga outros tipos de mediadores relacionados à doença do enxerto-versus-hospedeiro.

Artigo: Platelet-activating factor receptor plays a role in the pathogenesis of graft-versus-host disease by regulating leukocyte recruitment, tissue injury, and lethality
Link: www.jleukbio.org/content/91/4/629.full.pdf+htm
Equipe: Angélica Vieira, Bárbara Rezende Carolina Resende, Daniel Cisalpino, Danielle Souza, Priscila Bernardes, Marina Castor, Mauro Teixeira, Tarcília Silva e Vanessa Pinho
Financiadores: CNPq e Fapemig


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