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Nº 1776 - Ano 38
21.5.2012

“Informação é a moeda desse mercado intangível”

Natália Carvalho

Autora de obra de referência na área de direito digital, a advogada Patrícia Peck esteve no Icex este mês para conversar com alunos de graduação e pós-graduação em Ciência da Informação, Engenharia Eletrônica e Direito sobre as principais implicações sociais envolvendo as novas tecnologias de comunicação.

Com graduação em Direito pela Universidade de São Paulo, especialização em negócios pela Harvard Business School e em inteligência e contrainteligência pela Escola de Inteligência do Exército, Patrícia disse que as pessoas precisam desenvolver estratégias de convivência e autoproteção no mundo virtual. “A autoexposição tem chegado a níveis absurdos nas redes sociais. Atitudes simples como filtrar a visualização de fotos e refletir um pouco antes de realizar uma postagem podem fazer a diferença”, defendeu a advogada durante o encontro com os estudantes. Confira a seguir alguns trechos da palestra, realizada poucos dias antes da aprovação, pela Câmara dos Deputados, de projeto de lei que tipifica os crimes digitais.

Terceira revolução

Para a advogada, as grandes transformações na sociedade estão associadas ao modelo de geração de riqueza, e o Direito é consequência dele. “A primeira revolução foi a agrícola, na qual deixamos de ser caçadores nômades e nos fixamos em uma terra. A partir de então passamos a proteger a propriedade privada. No século 18, tivemos a segunda revolução, a industrial, em que o modelo de riqueza passou a ser o bem de produção, capital-trabalho. No começo dos anos 1980, Steve Jobs e Bill Gates já brigavam pela autoria de criações que ainda não eram defendidas por lei, os softwares. É nesse contexto que surge a sociedade digital, iniciando a terceira revolução, e essa sociedade não presencial exige especificidades legais que abranjam suas singularidades. Estamos completamente desmaterializados, não vivemos mais ligados a aparelhos, nossos dados estão em nuvem, e pouco importa o dispositivo que usaremos para acessá-los. Até o dinheiro deixou de ser um bem físico, e nesse mercado intangível a informação se tornou a nova moeda.”

Driblando a lei e a segurança

Com a multiplicidade de suportes e o armazenamento em nuvem, a sociedade do conhecimento sofre com o risco iminente de plágio, pirataria e vazamento de informações. “Se antes era inaceitável que o trabalhador de uma fábrica levasse para casa o resultado de sua produção, hoje o sujeito que é pago para pensar, o programador de um software, por exemplo, sente-se muitas vezes nesse direito. Para roubar uma informação, basta enviá-la para seu próprio e-mail ou gravá-la em um dispositivo pessoal”, lembrou a advogada. Essa facilidade em transgredir a lei dos direitos autorais e da propriedade industrial é, segundo ela, um desafio para o direito digital. Pesquisa conduzida pelo Instituto Ponemon, com quatro mil empresas de 12 países, revelou que 51% perdem dados via dispositivos móveis e 59% dos funcionários driblam controles de segurança.

Sem direito a arrependimento

Publicadas na internet, frases infelizes, que no mundo pré-digital poderiam ser interpretadas como simples mal-entendidos, podem trazer muitos transtornos. “Ofensas nas redes carregam a particularidade de que, em si mesmas, são provas do delito cometido. Basta apenas que a pessoa citada se sinta ofendida para que um comentário se transforme em processo judicial. A velocidade da circulação das informações impossibilita arrependimentos, e a ação de publicar uma informação é cada vez mais irreversível. São milhares de pessoas conectadas, basta apenas que um veja e compartilhe.”

Crime x liberdade de expressão

O caso da atriz Carolina Dieckmann ganhou visibilidade no início deste mês e levantou discussões nos meios jurídico e não jurídico sobre a segurança na internet. A atriz teve fotos íntimas roubadas e disseminadas pela rede em velocidade impressionante, cerca de oito milhões de acessos em quatro dias. “Esse crime seria enquadrado, segundo projeto de lei para crimes informáticos, no artigo 154-A, que trata da invasão de dispositivo informático conectado ou não na rede, violando mecanismo de segurança e retirando dali algum conteúdo visando a obter, adulterar ou destruir dados e informações”, detalha a advogada. No entanto, ela lembra que a regulamentação de crimes digitais encontra dificuldades porque esbarra em discursos sobre liberdade de expressão. “No Brasil, criminosos como os que roubaram Carolina acabam sendo punidos com base no Código Penal, que não específica delitos no mundo digital”, comenta.

Defender-se de si mesmo

Sabendo das complicações encontradas na regulamentação do direito digital e das complexidades particulares dessa mídia, os próprios indivíduos devem aprender a proteger sua privacidade, defende a advogada. “Precisamos nos defender de nós mesmos, já que a autoexposição tem chegado a níveis absurdos nas redes sociais. Atitudes simples como filtrar a visualização de fotos e refletir antes de realizar uma postagem podem fazer a diferença. As empresas devem se cercar de cuidados minuciosos com o armazenamento de seus dados, atentando para o uso de emails e dispositivos pelos seus funcionários, incluindo restrições de segurança nos contratos”.