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Nº 1793 - Ano 39
8.10.2012

opiniao

A insustentabilidade da geração planetária de energia

Vagner Luciano de Andrade*

É tétrico pensar que a mesma concepção teórica que fundamentou a bomba atômica lançada nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, durante a 2ª Guerra Mundial, ainda justifique e legitime a geração de energia nuclear no mundo. Certamente, os fantasmas da radioatividade e suas lanças mortais sobre a comunidade de vida terrestre tentam se perpetuar entre os contemporâneos.

Errar é humano, permanecer no erro é burrice. Pois é, erramos sempre, e o que é pior, talvez façamos do erro a maior das proezas humanas. Em 26 de abril de 1986, o mundo recebeu perplexo a notícia de explosão de reatores nucleares na Ucrânia (antiga União Soviética), espalhando uma imensa nuvem radioativa que contaminou solos e ecossistemas, adoeceu pessoas, espalhou dor, pânico e incertezas entre milhares de habitantes de diversos países do Leste Europeu e adjacências.

É lamentável que a humanidade com todos os avanços e retrocessos que a consolidaram, quase duas décadas e meia depois, tenha repetido o trágico desastre socioambiental de Chernobyl. Em Fukushima, no Japão, um acidente ocorrido em 11 de março de 2011 voltou a pôr na pauta mundial a validação da energia nuclear como modelo energético prioritário em alguns países. Em épocas conturbadas, em que o ser humano se questiona existencialmente sobre sua conduta “errônea” na Terra, tal questão veio não somente contestar o modelo econômico vigente, com todas as suas mazelas sociais e dicotomias ambientais, mas também reforçar a emergência de novas tecnologias, mais responsáveis e “sustentáveis”.

Matriz em muitos países desenvolvidos, o modelo nuclear, sem sombra de dúvida, coloca não apenas o meio ambiente em total risco, como a população adjacente, e é indiscutivelmente insustentável e arcaico. No Brasil, temos insistido nessa barbárie, materializada nas usinas de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

“A construção da verdadeira sustentabilidade e da ética ambiental passa pelo rompimento definitivo com todo e qualquer sistema perigoso, excludente e injusto”

Mas por aqui a prioridade é outra, tão insustentável quanto a matriz nuclear: a energia hidrelétrica. Similar a um crime humanitário, como foram os de Hiroshima, Nagasaki, Chernobyl, Fukushima e tantos outros, a geração de energia brasileira fere a ecologia planetária. Belo Monte é um caso vergonhoso e recente na história do Brasil ao perpetuar uma prática inadequada de produção energética, num país que agrega inúmeras outras possibilidades de geração mais limpa e menos impactante. Vale relembrar que parques nacionais já foram extintos em decorrência da prioridade conferida a grandes barragens com fins hidrelétricos: Sete Quedas (PR) e Paulo Afonso (BA) jazem no esquecimento e na alienação do povo brasileiro, que historicamente anseia por desenvolvimento a qualquer custo.

Tão indispensável quanto questionar a improcedência e a inviabilidade do modelo nuclear é elencar os agravos e problemas decorrentes da construção de uma usina hidrelétrica: remoção de populações nativas, perda das identidades culturais, impactos sobre fauna e flora, alterações no microclima local. Tão urgente quanto abolir a usina nuclear da história do homem é abolir as barragens e seus inúmeros impactos socioambientais.

Novas fontes, humanamente adequadas e sustentavelmente viáveis, estão à disposição dos governos e cidadãos para a definição de políticas e matrizes energéticas que amenizem as intempéries do desenvolvimento: eólica, solar, biodiesel, geotérmica, das marés e ondas, dentre tantas outras opções naturais à disposição em todo o planeta.

A construção da verdadeira sustentabilidade e da ética ambiental passa pelo rompimento definitivo com todo e qualquer sistema perigoso, excludente e injusto. Passa, portanto, pela superação do modelo nuclear, com sua contaminação, detritos e gases atenuando os efeitos negativos da radioatividade, materializados após Hiroshima e Nagasaki. Passa pela ruptura com o modelo hidrelétrico que inunda vidas naturais e humanas, condenando-as à “bomba” da morte e extinção.

Um novo modo de vida, de produção mais limpa, é o instrumento que consolidará a existência humana neste planeta, validando-a junto às demais formas de vida. Somente assim a história humana deixará de ser um fio condutor de morte e destruição e construirá uma linha tênue entre inteligência, compromisso e responsabilidade, pilares que conduzirão a uma nova ordem social. Um novo mundo sem bomba atômica, sem Chernobyl, sem Fukushima, sem Angra I, sem Belo Monte. É o sonho a ser construído, consolidado e partilhado por todos.

*Educador e mobilizador socioambiental. Bacharel/licenciado em Geografia e Análise Ambiental pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), graduando em Licenciatura em Educação do Campo pela Faculdade de Educação da UFMG