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Nº 1796 - Ano 39
29.10.2012
Um dos principais desafios na elaboração de vacina contra o câncer é fazer com que o organismo reconheça o tumor como algo maléfico que precisa ser combatido. “Por não ser um intruso, mas algo próprio do corpo, o câncer não ativa o sistema imune de maneira eficiente”, explica a bióloga Caroline Junqueira, que conseguiu contornar essa dificuldade ao propor estratégia genética que utiliza o parasito Trypanossoma cruzi como veículo para levar uma proteína do câncer ao interior das células, onde será reconhecida e combatida.
A intenção é forçar esse reconhecimento introduzindo parte do tumor em contexto que o associe a outros sinais de perigo, como o T. cruzi, causador da doença de chagas. “É como se fornecêssemos o retrato falado do procurado ao sistema imune, que passa a reconhecer o tumor e, consequentemente, a combatê-lo”, compara a pesquisadora, que ganhou este mês o Grande Prêmio de Teses UFMG 2012, na área de Ciências Agrárias, Ciências Biológicas e Ciências da Saúde.
O estudo foi desenvolvido como tese de doutorado, sob orientação do professor Ricardo Gazzinelli. Testada em camundongos, a vacina é profilática e terapêutica e se mostrou eficaz como prevenção em 100% dos indivíduos vacinados, reduzindo o tumor em 65% dos casos, quando usada no tratamento.
Atualmente no pós-doutorado, Caroline Junqueira se prepara para iniciar testes em modelo canino. “Já depositamos a patente, mas ainda estamos finalizando a prova de conceito em cães, animais mais complexos e cuja imunologia é muito parecida com a de humanos”, informa, acrescentando que antes de vislumbrar a transposição para pessoas, será possível chegar à vacina contra câncer canino. O trabalho vem sendo desenvolvido nos laboratórios de Imunoparasitologia, da UFMG, e de Imunopatologia, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ambos coordenados por Gazzinelli.
O parasito utilizado por Caroline Junqueira é de uma linhagem de T. cruzi naturalmente atenuado, incapaz de causar infecção prolongada. Já a parte do tumor introduzida no parasito foi a proteína NY-ES0-1, presente em 85% dos tipos de câncer descritos. Ela pertence à família cancer testis de proteínas, expressas tanto em células tumorais (adultas) quanto nas do sistema reprodutivo, como testículos e placenta. No caso da vacina para cães, a pesquisadora vai introduzir também a proteína tirosinase, presente em grandes quantidades em melanoma canino.
Em ambos os casos, ao ser geneticamente modificado, o parasito passa a carregar a proteína e, ao tentar combater a infecção de T. cruzi, o sistema imune induz resposta contra o antígeno do tumor.
Novos materiais sintetizados em laboratório, baseados em dois óxidos de ferro, podem ser importantes ferramentas de descontaminação ambiental, sugere a química Diana Quintão Lima de Oliveira, ganhadora do Grande Prêmio de Teses UFMG 2012, na área de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias. Ao inserir o elemento nióbio na sua forma oxidada (Nb5+) na estrutura de goethitas e magnetitas, ela obteve materiais com melhores características para a destruição de poluentes orgânicos presentes em água.
“Não havia relato na literatura do uso do nióbio como cátion estrutural dopante nesses oxidróxidos de ferro”, informa a pesquisadora, acrescentando que os novos catalisadores foram testados em laboratório, na oxidação dos corantes azul de metileno e rodamina B. Segundo ela, o grande problema de descarte de substâncias orgânicas em rios por parte de indústrias, como as têxteis e farmacêuticas, estimula o desenvolvimento de pesquisas que minimizem esse impacto. Os catalisadores baseados em óxidos de ferro modificados pela incorporação estrutural de nióbio apresentaram “propriedades catalíticas promissoras no que diz respeito à oxidação de poluentes orgânicos na presença de peróxido de hidrogênio (água oxigenada)”, aponta. A pesquisadora adverte que será necessário testar os catalisadores em sistema real no efluente de uma indústria.
Ao comparar o desempenho das goethitas com as magnetitas modificadas com nióbio, Diana Oliveira demonstrou que a presença do segundo na estrutura do material aumenta a atividade catalítica do óxido para a degradação do azul de metileno, corante orgânico usado como poluente modelo. No entanto, as magnetitas obtidas da transformação térmica das goethitas apresentam menor atividade na remoção do corante do meio aquoso, “provavelmente devido às diferenças nas propriedades texturais – áreas de superfície – dos diferentes óxidos”.
Embora pesquisas já demonstrem que o nióbio melhora as propriedades eletrônicas de determinados óxidos, há expectativas de que novos estudos ampliem as possibilidades de aplicação desse importante elemento químico, atualmente utilizado sobretudo em ligas de aço, para produção de materiais inoxidáveis especiais.
“O Brasil possui cerca de 90% da reserva de nióbio do mundo, dos quais 73% estão em Araxá, Minas Gerais”, informa Diana Oliveira. A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, responsável por aproximadamente 60% da produção brasileira desse metal, fornece amostras a universidades e institutos de pesquisa interessados em encontrar novas aplicações para o material.
Ainda que resultem em benefícios supostamente universais, as descobertas científicas não são normatizadas da mesma forma em todas as partes do mundo. “Os marcos regulatórios refletem as relações entre ciência e política em diferentes países, questão que se relaciona com a história, a cultura e a configuração institucional de cada nação”, analisa a pesquisadora Maya Mitre, autora de tese ganhadora do Prêmio de Teses UFMG 2012 na área de Ciências Humanas, Ciências Sociais e Aplicadas, Linguística, Letras e Artes. O estudo havia sido objeto de matéria jornalística publicada na edição 1756 do BOLETIM à época da defesa.
Essas diferenças formam o eixo do estudo em que compara o modelo brasileiro de regulamentação das pesquisas em biotecnologia com os dos Estados Unidos e União Europeia. A partir de casos específicos de uso de biotecnologias com células-tronco embrionárias e organismos geneticamente modificados, a autora investigou como os marcos regulatórios refletem as relações entre ciência e política em diferentes países. “Essa questão se relaciona com a história, a cultura e a configuração institucional de cada um”, sintetiza Maya.
Para ela, o avanço científico na área das biotecnologias traz à tona o antigo temor de conferir ao cientista poderes divinos, ou de criar um super-humano, dotado de capacidades maquínicas. Nesse contexto, manipular códigos genéticos e derivar células de embriões são práticas muitas vezes consideradas ameaçadoras, por ocuparem lugar onde as supostas fronteiras entre o “natural” e o “artificial” se confundem. “Ao utilizarmos essas tecnologias, chegamos perto do que antes era considerado ficção científica”, lembra Maya Mitre.