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Nº 1797 - Ano 39
05.11.2012

Migrações viciosas

Ocupação e trabalho é tema do seminário Visões do Vale

Zirlene Lemos*

Severino, 30 anos, sua esposa, Maria, 25, e os quatro filhos moram na comunidade de João Alves, no Vale do Jequitinhonha (MG), onde é comum se ouvir a expressão meu marido foi pro corte de cana. Esse também é o destino de Severino, recrutado em abril deste ano para trabalhar em um canavial no interior de São Paulo, que concentra 55% do plantio brasileiro de cana-de-açúcar, matéria-prima da indústria de etanol.

Enquanto Severino e outros homens trabalham no interior de São Paulo, no Rio de Janeiro, em Goiás e no Espírito Santo, Maria e as demais mulheres convivem no Jequitinhonha com uma realidade tão dura quanto a experimentada por seus maridos e filhos: o latifúndio, a concentração da terra nas mãos de empresas de eucaliptos, carvoarias e barragens e assentamentos. Os personagens descritos acima são fictícios, mas a história é bem real, e seu enredo teima em permanecer no Brasil do século 21.

A saga dos severinos e marias está entre os temas que serão debatidos no seminário Visões do Vale VII – Vale do Jequitinhonha: ocupação e trabalho. Aberto ao público, o evento ocorrerá esta semana – dias 8 e 9 de novembro –, no auditório 1 da Faculdade de Ciências Econômicas, campus Pampulha.

A conferência de abertura, cujo tema é Migrar (ainda) é preciso, será proferida pela professora Maria Aparecida Moraes e Silva, do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Com larga experiência em Sociologia Rural, atuando principalmente com expropriação camponesa, exploração do trabalho, relações de gênero e agricultura, a pesquisadora vai abordar a migração dos trabalhadores do Vale do Jequitinhonha, sobretudo para o corte de cana em Ribeirão Preto, fluxo iniciado há mais de 60 anos.

Temporário permanente

“Nessa região, as usinas surgiram nos finais dos anos 1950, desde então com presença maciça dos trabalhadores do Vale, fenômeno que persiste até hoje. Meu foco será a migração permanentemente temporária, na qual a maioria dos trabalhadores vai para o corte de cana ou para outras atividades agrícolas, permanecem lá de abril a dezembro, depois retornam para casa e ficam por um período muito curto, até retornar para a safra seguinte”, explica.

Aparecida Moraes chama a atenção ainda para o aumento do tempo de permanência dos trabalhadores no corte de cana, o que vem transformando o Vale do Jequitinhonha em lugar de morada e não de ocupação. “O que as pesquisas mostram é que, se essas pessoas algum dia tiverem condições de trabalho na sua própria região, além de políticas públicas eficazes, certamente não deixarão suas regiões. O que acontece hoje é uma ‘migração forçada’”, argumenta a professora da Ufscar.

Maria das Dores Pimentel: problemas e potencialidades

Maria das Dores Pimentel: problemas e potencialidades

Para a pró-reitora adjunta de Extensão da UFMG, Maria das Dores Pimentel Nogueira, o evento se destaca pela diversidade do debate. “O objetivo é propor discussões temáticas que abordem as características, problemas e potencialidades do Vale, além de aproximar a comunidade acadêmica, agentes governamentais, lideranças e pessoas da região para discutir a diversidade de percepções sobre ocupação e trabalho, tema deste ano”, ressalta.

Além das tradicionais conferências e mesas-redondas, a programação contará com apresentações de trabalhos de pesquisa e extensão sob a forma de comunicações orais, lançamento de livros, inauguração de sites, inclusive do Programa Polo, e apresentações culturais. Dos 55 trabalhos submetidos à comissão científica, 10 foram selecionados, entre projetos da UFMG, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Unimontes e Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG). Eles comporão os painéis temáticos de discussão.

Escolarização

Entre os selecionados está Rodrigo Edmilson de Jesus, professor do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação. Ele apresenta o trabalho Projetos de escolarização de jovens agricultores no Vale do Jequitinhonha e Mucuri. A pesquisa foi desenvolvida entre 2010 e 2011, com 101 estudantes de 15 a 38 anos vinculados a projeto de escolarização adotado em 10 municípios.

“O objetivo foi verificar se o histórico familiar dos pais de baixa escolaridade era ou não reproduzido pelos filhos”, explica Rodrigo de Jesus. “Aliado a isso”, acrescenta, “também percebemos que a educação para o campo tem sido feita numa lógica de que ‘é preciso estudar para sair do campo’ em vez de se criarem condições para que o indivíduo estude e escolha permanecer ou não no seu lugar de origem”.

A programação da sétima edição do seminário Visões do Vale está disponível no www.ufmg.br/polojequitinhonha. As inscrições, gratuitas, podem ser feitas até o dia do evento pelo email visoesdovale@proex.ufmg.br. Outras informações pelo telefone (31) 3409-4067. Aberto ao público, o Visões do Vale é promovido pela Pró-reitoria de Extensão e realizado pelo Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha desde 2004.