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Nº 1797 - Ano 39
05.11.2012

Mapas em disputa

Pesquisadora da Fafich publica pesquisa inédita sobre mapas da América do Sul produzidos no século 18 e os protagonistas dessa história

Itamar Rigueira Jr.

Mapa elaborado por geógrafo francês acabou preterido em negociações com a Espanha

Mapa elaborado por geógrafo francês acabou preterido em negociações com a Espanha

Na primeira metade do século 18, o embaixador de Portugal em Paris, Dom Luís da Cunha, estava empenhado na produção de mapas da América do Sul que seriam usados nas negociações com a Espanha em torno dos territórios na região. O trabalho foi encomendado ao geógrafo francês Jean-Baptiste Bourguignon D’Anville. A história completa (e inédita) da produção desses mapas – que acabariam sendo preteridos nas conversas para o Tratado de Madri, de 1750 – acaba de ser publicada em forma de livro pela professora Júnia Ferreira Furtado, do Departamento de História da Fafich.

O trabalho que resultou da parceria entre Cunha e D’Anville foi especialmente significativo para a discussão de grandes questões científicas da época, como as que envolviam o formato da Terra e as medidas de longitude. “A cartografia da América servia como material para os estudos e debates entre os sábios”, ressalta Júnia Furtado, autora de Oráculos da geografia iluminista (Editora UFMG/Ieat).

Uma vez que os termos do Tratado de Tordesilhas já não atendiam a seus interesses, a Coroa portuguesa reivindicava novos contornos para a divisão da América Meridional com a Espanha. Para Dom Luís da Cunha, os negociadores de Lisboa deveriam dispor de um mapa que propusesse novas linhas para as possessões dos vizinhos ibéricos, mas que partisse de dados fiéis à realidade. O mapa de D’Anville ficou pronto em 1748, mas, com a morte de Dom Luís, um ano depois, passou a prevalecer a visão de Alexandre de Gusmão, secretário de Dom João V, rei de Portugal.

Carta fraudulenta

“Gusmão encarava os mapas como arma política. Ele manda, então, produzir uma carta fraudulenta, conhecida como Mapa das Cortes, que ‘desloca’ a costa brasileira para leste, com o objetivo de fazer parecer aos espanhóis que eles perderiam pouco território”, explica Júnia Furtado, que realizou estudos de pós-doutoramento nas universidades de Princeton (EUA) e Sorbonne (França). Ainda segundo ela, o Tratado de Madri foi anulado em 1761, mas antes disso Portugal tratou de reforçar o povoamento do Centro-Oeste do Brasil, o que influenciaria futuras negociações a favor dos portugueses.

Júnia Furtado empreendeu grande parte de sua pesquisa, que a levou a diversos países, como residente do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), da UFMG. Nos primeiros capítulos de seu livro, ela procura desfazer a ideia de que Portugal estava atrasado em relação às ideias iluministas que dominavam o resto da Europa, e também revela como Jean-Baptiste D’Anville realizava seu trabalho. “Era um tipo de profissional em extinção, que produzia em gabinete a partir de relatos de viagens e diversas outras fontes”, diz Júnia.

A pesquisadora detalha o encontro de D. Luís com D’Anville, que visava originalmente o apoio à formação de coleções científicas para o reino português. Adiante, a obra explica a visão geopolítica de D. João V, que não admitia abrir mão da Amazônia e áreas mineradoras, e oferecia parte do que hoje é o Uruguai como moeda de troca. Júnia Furtado ainda analisa todos os mapas que o geógrafo francês utilizou para chegar a sua versão definitiva – a Carte de l’Amérique meridional –, e detalha a disputa travada pelos defensores do mapa de D’Anville e da fraude encomendada por Alexandre de Gusmão.

Contemplada com o Prêmio Clarivaldo do Prado Valladares – que vai render a edição em 2013 de um livro de mesa –, Júnia Furtado informa que sua pesquisa tem sido elogiada em função do resgate de Dom Luís da Cunha, que norteou por muito tempo a política portuguesa, e também do destaque a D’Anville, que nunca tinha merecido estudo monográfico. “A produção do livro coincide com o interesse recente da Biblioteca Nacional da França, que está digitalizando a coleção de trabalhos de D’Anville, e despertou o interesse do Itamaraty, que no início do século 20, durante negociações territoriais com vizinhos sul-americanos, chegou a utilizar as fronteiras sugeridas pelo mapa de D’Anville como se fossem as vigentes no século 18”, conta Júnia Furtado.

Livro: Oráculos da geografia iluminista – Dom Luís da Cunha e Jean Baptiste Bourguignon D’Anville na construção da cartografia do Brasil

De Júnia Ferreira Furtado

Editora UFMG e Ieat

707 páginas / R$ 120 (preço sugerido)