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Nº 1799 - Ano 39
19.11.2012

Histórias de Glória

Em livro, jornalista resgata casos cômicos, trágicos e inverossímeis de uma família do Vale do Aço

Natália Carvalho

A tragédia envolvendo uma menina apaixonada permanece viva na memória dos moradores da cidade de Braúnas, no Vale do Aço. Maria Celeste, moça meiga e caridosa, mantinha um romance proibido com Tião, um dos empregados do pai. Seu Nonô proibiu o relacionamento, e chegou a dizer que preferia a filha morta a vê-la com um negro. Sofrendo por um amor impossível, a jovem morreu em condições misteriosas numa ponte da cidade. A notícia logo chegou a Tião, que se sentindo culpado, deu um tiro no ouvido e teve o mesmo fim que a amada.

A versão mineira de Romeu e Julieta é um das narrativas que compõem o livro Histórias de Glória e outros casos de Leitão, lançado este mês pela jornalista Luíza Glória, que mistura reportagem e literatura ao apresentar personagens da vida real que se eternizaram no imaginário da cidade de cinco mil pessoas. O livro é resultado do trabalho de conclusão de curso em Comunicação Social na UFMG, premiado no Expcom Sudeste 2011 (Exposição da Pesquisa Experimental em Comunicação – Regional Sudeste), categoria Livro Reportagem, e que representou a UFMG na 34ª edição do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom 2011).

Luíza Glória cresceu ouvindo as narrativas cômicas, trágicas e, por vezes, inverossímeis sobre a cidade de sua mãe e de seus parentes distantes e acalentava o sonho de investigar os casos que nem sempre lhe eram contados com um ponto final. Dois anos atrás, ao iniciar seu trabalho de conclusão de curso, ela vislumbrou a chance de desenvolver uma pesquisa voltada para a reconstrução dessas narrativas. As famílias Glória e Barros, apelidada na cidade de Leitão, protagonizam a maioria dos contos.

Projeto arriscado

Em 2010, a jornalista passou dez dias na cidade colhendo os primeiros casos. “Muitos já estavam se perdendo, alguns entrevistados diziam que seus pais saberiam contá-los melhor. Senti que era o momento exato de relatá-los”, explica Luíza, que atualmente trabalha como produtora executiva da Rádio UFMG Educativa. Depois de ouvir as histórias, ela retornou a Belo Horizonte para analisar os relatos, e algum tempo depois fez nova viagem, de 15 dias, na qual se concentrou em preencher as lacunas que observou em sua avaliação.

“Escrever a história da minha família em um projeto de conclusão de curso foi um tanto arriscado. Mas no desenvolver do trabalho eu percebi que era muito pertinente”, explica a autora. “Talvez o mais interessante foi constatar que cada pessoa agregava ao caso que contava um pouco da sua própria experiência de vida; assim, as histórias sofriam pequenas variações de acordo com o narrador. Analisando as narrativas pude perceber, ainda, que as pessoas acionam referências externas e universais”, lembra a autora. Além do caso de Celeste, que guarda óbvia semelhança com Romeu e Julieta, de William Shakespeare, a trajetória da personagem Terezinha alude a Tieta do Agreste, de Jorge Amado.

Lançado de forma independente, o livro também surgiu de demanda das pessoas que se envolveram e colaboraram com o trabalho. “Estão todos querendo ver o livro, ler as suas histórias e se identificar com elas. Senti que a publicação era uma coisa que eu devia a essas pessoas”, comenta Luíza Glória. No entanto, a jornalista atenta para um fato que desperta certo receio: as histórias não revelam apenas coisas boas sobre os envolvidos. “Como tudo começou com um trabalho de conclusão de curso, nem a minha família viu ainda. E eu tenho um pouco de medo, porque a história não é toda bonita. Nem tudo são flores, muito pelo contrário. Remexer no passado das pessoas é complicado, mas eu também estou remexendo no meu”, conclui a jornalista.

Livro: Histórias de Glória e outros casos de Leitão

Autora: Luiza Glória

Edição independente

108 páginas / R$ 25

Mais informações: www.historiasdegloria.wordpress.com