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Nº 1805 - Ano 39
28.01.2013

E o método caiu na vadiagem

Sétima edição do Festival de Verão promove diálogo entre a precisão acadêmica e o improviso

Ewerton Martins Ribeiro

“Navegar é preciso; viver não é preciso”. Consta que a expressão, popularizada por Fernando Pessoa, remonta ao tempo das primeiras navegações, época em que um antigo general romano teria dela se valido para animar marinheiros temerosos de enfrentar as intempéries marítimas. Em seu sentido original, a mensagem fazia alusão à precisão que a navegação detém, em oposição ao caráter impreciso da vida – algo bem diferente do sentido de “necessidade” conferido pelo escritor no poema Navegar é preciso: “Viver não é necessário; o que é necessário é criar”.

É por causa de sua pluralidade de sentidos que a célebre frase foi tomada como ponto de partida para o desenvolvimento do tema do 7º Festival de Verão da UFMG, Vadiar é preciso, o resto é improviso, que será realizado durante o período de carnaval, entre 8 e 12 de fevereiro, no Centro Cultural UFMG. Na construção do mote, o adjetivo “preciso” foi retomado em sua polissemia, detendo conjuntamente os sentidos de precisão e de necessidade. “Ainda antes de formular o tema, já havíamos pré-estabelecido o objetivo de trabalhar com o ‘resto’, com tudo aquilo que sobra. E foi refletindo sobre esse ‘resto’ que chegamos ao tema do evento, que sugere o ato de vadiar como algo necessário e que pode, ao mesmo tempo, conter precisão”, explica a professora Lúcia Castello Branco, da Faculdade de Letras, coordenadora geral do evento.

“Queríamos promover o diálogo entre o conhecimento construído sob a precisão acadêmica e o oriundo da cultura popular, que não é metódico, sistêmico, criterioso, mas que nem por isso é menos relevante”, argumenta Lúcia Castelo Branco. Nesse sentido, acrescenta, “o improviso e a vadiagem se apresentam como espécie de método para a construção do conhecimento oriundo desse resto”.

Ao tomar o improviso como método, a proposta é radicalizar a temática do Festival em direção a uma espécie de “ignorância”, de “não saber”. “É uma linha que já vínhamos desenvolvendo desde a edição de 2012. A ideia é que o improviso seja tão valorizado quanto o rigor científico para o avanço do conhecimento”, afirma a professora.

Sinergia errante

Pela primeira vez, todas as atividades do Festival de Verão serão reunidas no Centro Cultural UFMG (exceto a programação de abertura, no Espaço TIM UFMG do Conhecimento). O objetivo é que os participantes sejam influenciados não só pelo conteúdo da oficina da qual participam, mas também pelo conteúdo das demais. Algumas contemplam, inclusive, a incursão em atividades de outras, promovendo sinergia na construção e recepção do conhecimento ali produzido.

Já a oficina Errante – práticas do não saber é um exemplo dessa lógica. Seus integrantes vão transitar pelo Festival e pela cidade, interagindo com as oficinas e com os blocos de rua, um tanto alheios a horários e a métodos, e focados no improviso e na vadiagem. “Produzimos um mapa do que de mais interessante vai acontecer pela cidade, e vamos procurar relacionar esses acontecimentos com cada uma das oficinas. A proposta é que esse mapa seja atualizado coletivamente durante o Festival”, sugere Adriano Mattos, professor da Escola de Arquitetura e um dos organizadores da oficina.

A oficina O espírito do lugar vai se debruçar sobre a cidade para dela extrair os seus sentidos. Os participantes construirão uma espécie de mapa subjetivo do entorno da Praça da Estação, na tentativa de compreender o caráter dessa região, ou seja, o conjunto de características que concorrem para formar sua identidade. “Buscamos resgatar aquilo que chamamos de genius loci, ou o ‘espírito do lugar’, e construir a partir dele uma representação coerente com o contexto do carnaval, da vadiagem e da improvisação”, aponta Lia Krucken, especialista em território e coordenadora da oficina. O grupo fará um roteiro exploratório pelas oficinas e pela cidade, produzindo registros fotográficos e sessões voltadas para o desenvolvimento de processos criativos e artísticos. O resultado será exposto no baile carnavalesco do último dia do evento.

Eixos

As oficinas foram divididas em quatro eixos. As do grupo Ciências da vida e saúde estão sob a coordenação de Rosa Maria Quadros Nehmy, mestre e doutora em Ciência da Informação. As de Humanidades, letras e artes são comandadas por Maria Juliana Gambogi Teixeira, mestre em Teoria da Literatura e doutora em Literatura Comparada, e por Fernanda Mourão, mestre em Literaturas de Expressão Inglesa e doutora em Literatura Comparada. As de Ciências exatas, da terra e tecnologias estão sob a tutela de Alfredo Gontijo de Oliveira, mestre, doutor e pós-doutor em Física. E, por fim, as oficinas do eixo Projetos especiais são lideradas por Marcos Vinícius Bortolus, mestre em Engenharia Mecânica e doutor em Energia.

Nenhuma das atividades exige pré-requisitos. O público esperado inclui estudantes, artistas, cientistas, curiosos, carnavalescos, crianças, idosos, portadores de necessidades especiais e frequentadores do circuito da Praça da Estação.

Oficina Espírito do lugar: mapa de subjetividades da Praça da Estação

Erudita e popular

Um dos destaques da edição deste ano é a programação cultural, que reúne peças teatrais, filmes, palestra, bate-papo musical e show de música. O objetivo, segundo Lúcia Castello Branco, é proporcionar aos cidadãos de Belo Horizonte outra opção de lazer e de acesso à cultura, complementando a programação tradicional de carnaval. “É uma proposta transdisciplinar, que visa fomentar o trânsito entre as diversas áreas de conhecimento”, afirma Lúcia.

A abertura, na sexta-feira, dia 8, às 20h, acontece no Espaço TIM UFMG do Conhecimento, que exibe concomitantemente uma mostra de fotografias de Márcia Silva em sua fachada digital. A seguir, o espaço recebe a palestra Ousarei perturbar o universo?, da professora Patrícia Kauark, que é física, mestre em Filosofia e doutora em Epistemologia. Ela fará uma inusitada abordagem relacionando questões da física quântica e da filosofia. Em seguida, acontece um bate-papo musical com o artista Zé do Poço, poeta, músico, cineasta, pintor e “filósofo de plantão”.

A partir daí, as atrações convergem para o Centro Cultural UFMG. No sábado, destaque para o espetáculo teatral Senhorita dos Aires, com a atriz portuguesa Mafalda Saloio, sobre a importância e a beleza das coisas simples. No domingo, um duelo de MCs e violeiros repentistas reforça o tom multidisciplinar das atividades. Na segunda, o Festival recebe um espetáculo de teatro butô, que aborda a questão da ancestralidade japonesa no Brasil. Por fim, na terça, o Centro Cultural sedia o baile carnavalesco. “É um momento que vai funcionar também como apresentação dos trabalhos que foram produzidos durante o Festival”, finaliza a coordenadora.

A entrada é franca para todos os espetáculos culturais do Festival de Verão, limitada aos 150 lugares do auditório do Centro Cultural. O espetáculo Senhorita dos Aires, em especial, recebe 20 pessoas em cada uma das duas apresentações programadas. Para tanto, as senhas terão que ser retiradas, na portaria do Centro Cultural, uma hora antes da sessão.

Inscrições

As inscrições podem ser feitas no site da Fundep (www.fundep.ufmg.br) até a data de início de cada atividade – ou até quando se esgotarem as vagas. O participante deve selecionar a atividade de seu interesse e imprimir o boleto para o pagamento, que pode ser efetuado em qualquer agência bancária. Quem preferir pode realizar a inscrição pessoalmente, em um dos postos de atendimento da Fundep. O valor é R$ 20, com exceção da oficina Errante – práticas do não saber, que é gratuita. Mais informações pelo telefone (31) 3409-6411 (3409-8278 durante o evento), pelo email festivalveraoufmg@gmail.com ou pelo site www.ufmg.br/festivaldeverao.

O Festival em números

11 oficinas
4 eixos temáticos
205 horas de atividades
301 vagas