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Nº 1806 - Ano 39
4.2.2013

Cruzada “anticlostridium”

Grupo de pesquisa da Veterinária exerce papel destacado no controle do botulismo e de outras doenças

Karla Escarmigliat*

O termo clostridioses refere-se a uma série de doenças e ­intoxicações causadas por bactérias patogênicas do gênero Clostridium que provocam grandes perdas na pecuária extensiva. Uma das referências brasileiras no estudo de mecanismos para combater e prevenir esses males é o grupo de pesquisa coordenado pelo professor Francisco Carlos Faria Lobato, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de Veterinária. Há 27 anos, ele trabalha com o desenvolvimento de métodos de diagnóstico e de vacinas.

Tudo começou em 1986, quando Francisco Lobato, então aluno de mestrado, trabalhava com o controle das vacinas clostridiais. O objetivo era avaliar a eficiência desses produtos comercializados no país, para oferecer um serviço de qualidade aos médicos veterinários de campo. Ao mesmo tempo, ele se envolveu com a produção de insumos para novos métodos de diagnósticos.

Os chamados toxoides botulínicos foram os alvos da primeira vacina testada na Unidade. O trabalho foi finalizado em 1989, coincidindo com um surto episódico de botulismo no Brasil que matou mais de um milhão de bovinos. A partir daí, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento passou a fazer o controle oficial dessas vacinas.

Deste então, Lobato deu continuidade a essa linha de pesquisa, monitorando praticamente todos os componentes antigênicos das vacinas clostridiais, como inocuidade, esterilidade e potência.  “Não foi surpresa para nós que os outros antígenos tivessem comportamento similar ao do toxoide botulínico. As vacinas realmente não tinham uma boa eficácia. Desse modo, essa primeira linha de trabalho permitiu que o Ministério da Agricultura implantasse, de forma gradativa, o controle da qualidade das vacinas clostridiais”, explica. 

Toxinas

São várias as enfermidades causadas por bactérias do gênero clostridium. Uma delas é o botulismo, causado principalmente por ingestão das toxinas botulínicas pré-formadas. A doença, que atualmente é endêmica, acomete, geralmente, vacas em lactação ou gestantes com deficiência de fósforo. A falta desse mineral causa uma perversão do apetite no animal, chamada de osteofagia, que leva à ingestão de ossos e até mesmo de parte de animais mortos. Quando o cadáver está contaminado pela toxina, o animal que o come tende a morrer. “As botulínicas são as toxinas de origem microbiana mais potentes que conhecemos”, diz Francisco Lobato. O combate a elas se dá por meio dos soros existentes no mercado. “Mas eles têm que ser aplicados bem no início dos sintomas clínicos para gerar resultados eficientes”, alerta o professor.

Esses animais também correm risco quando recebem silagem, feno ou rações contaminadas com matéria orgânica em decomposição ou com cadáveres de pequenos mamíferos ou aves. “O produtor oferecia aos animais cama de frango [restos de ração, fezes, urina, penas e o substrato absorvente usado para forrar os galpões onde eles são criados] como suplemento alimentar. É uma fonte que pode intoxicar o animal”, adverte Francisco Lobato. De acordo com o professor, para controlar o botulismo, o produtor deve fazer o manejo com a adequada suplementação mineral.

Apesar de essas medidas serem importantes, a vacina é a principal forma de controle da clostridiose. “Os animais devem ser imunizados a partir dos quatro meses de idade. As duas primeiras doses são aplicadas com intervalo de quatro a seis semanas, e um reforço é dado uma vez ao ano”, recomenda o professor.

Outro agente, o Clostridium difficile, teve seus primeiros diagnósticos descritos no laboratório da Escola, em 2011. O microrganismo provoca quadros de enterocolite – inflamação do intestino delgado e do cólon, responsável por provocar cólicas, diarreia, vômitos, mal-estar e febre em animais e pessoas. “Estamos fazendo um trabalho em conjunto com o Hospital das Clínicas da UFMG, que permite que o diagnóstico em humanos também possa ser feito na Escola de Veterinária”, explica o doutorando Rodrigo Otávio, que participa dos trabalhos.

Suínos e equinos

O mecanismo da doença em humanos e bovinos só foi descrito a partir da década de 80. No Brasil, os pesquisadores da Escola de Veterinária foram os primeiros a identificar a doença em suínos, em 2011, e em equinos, no ano passado. Entretanto, não se tem conhecimento de quais são os animais reservatórios e de onde vêm as cepas. Em humanos, a doença geralmente está associada ao uso de antibióticos e acomete pacientes imunossuprimidos internados em unidades de terapia intensiva.

Os agentes podem estar no substrato gastrointestinal ou no ambiente. “O esporo, a unidade reprodutora do agente, é muito resistente. Por isso, é importante acertar no diagnóstico, principalmente nos humanos. Isso evita que a doença continue se disseminando”, conclui o pesquisador Rodrigo Otávio.

*Estudante de jornalismo da UFMG e bolsista da Assessoria de Comunicação da Escola de Veterinária