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Nº 1814 - Ano 39
1.4.2013

opiniao

Violência não é brincadeira

Fernanda Maria Caldeira e Marcela Coelho*

Não há consenso sobre a origem do trote, estima-se que já existia na Antiguidade, mas seu ápice foi na Idade Média entre as primeiras universidades europeias. O trote apareceu como “rito” de passagem para demarcar as diferenças entre os estudantes, alunos que vinham das áreas rurais e eram “civilizados” pelos seus veteranos que se encontravam nos burgos (cidades).

A própria etimologia da palavra trote – vem de trotar – remete a uma espécie de andar do cavalo entre o galope e o andar habitual, um passo que o animal tem que aprender. Para isso, é necessário domesticá-lo. Ainda hoje o trote é visto como uma forma de receber calouros.

Vivemos em uma sociedade marcada por desigualdades sociais e pelos diversos tipos de discriminações causadas por elas; e a Universidade, mesmo sendo um espaço de produção do conhecimento, está inserida nessa sociedade e acaba por reproduzir e reafirmar as relações desiguais e os preconceitos dentro do seu espaço. O machismo, o racismo e a homofobia se manifestam no campus por meio da segregação, humilhação e outros tipos de violência simbólica e psicológica por parte de alunos, professores e funcionários. Os trotes fazem parte desse cenário.

Entrar em universidades públicas é uma grande conquista que merece ser comemorada. Em muitos cursos os calouros são recebidos pelos seus veteranos com festas, recepção de calouros e o trote. Mas o que era para ser uma interação de veteranos e calouros transforma-se em espaço delimitado pela hierarquia e humilhação impostas aos recém-chegados, obrigados a passar por situações vexatórias, e em alguns casos, de violência extrema.

Durante os trotes, os preconceitos arraigados em nossa sociedade são praticados e justificados como forma de brincadeira, e as minorias oprimidas constituem-se nas principais vítimas de deboches, como em casos em que homossexuais e negros são verbalmente humilhados com palavras de ordem degradantes, e mulheres têm que simular sexo oral em objetos fálicos.

Existem inúmeras maneiras de receber os calouros com festa e diversão e que dispensam a reprodução distorcida das relações de poder e hierarquia. O que não discutimos, reproduzimos. Não podemos mais tolerar práticas violentas mascaradas como “brincadeira” ou “não intencional”.

É importante refletirmos sobre que grupos minoritários lutaram e ainda lutam diariamente pela conquista e afirmação de uma cidadania plena que ainda não existe de fato. E é dever da Universidade (e de todos que a compõe) contribuir para essa luta, combatendo os preconceitos em seus espaços e fora dela, cultivando assim uma sociedade mais humana, plural e tolerante com a diversidade.

*Alunas da UFMG e integrantes do Núcleo de Combate às Opressões do Diretório Central dos Estudantes (DCE)