|
|
|||
|
||||
Nº 1814 - Ano 39
1.4.2013
Itamar Rigueira Jr.
O trote violento não deve ser visto como ato isolado – ele expressa uma dinâmica de preconceitos e discriminação que marca a universidade em suas diversas instâncias. E a implantação de políticas institucionais destinadas a mudar esse quadro é urgente, têm pregado em tom uníssono os grupos que trabalham na UFMG na defesa de direitos humanos e do respeito à diversidade.
“Casos como o trote recente da Faculdade de Direito são a ponta do iceberg. Eles representam uma realidade de sexismo, racismo e homofobia nas universidades brasileiras. A ideia de universidade é oposta à de discriminação, e estará falida se não se concretiza o princípio de integridade dos diferentes sujeitos”, afirma a professora Claudia Mayorga, da Fafich, coordenadora do Núcleo Conexões de Saberes, que desenvolve ações que têm o objetivo, entre outros, de debater e promover o acesso e a permanência qualificada de estudantes negros e de trajetória popular na UFMG.
Mayorga estende a argumentação com uma pergunta: “Em que universidade vivem os estudantes que se sentem autorizados a tomar esse tipo de atitude? Essa questão traz a instituição para o centro do debate”, diz a professora do Departamento de Psicologia. “Se ela não cria as condições para a garantia da integridade das pessoas, abusos de poder e autoritarismo tornam-se naturais no cotidiano da instituição.”
Para a coordenadora do Conexões de Saberes, o trote está longe de ser uma brincadeira; ele pretende estabelecer relações de poder. A professora Shirley Miranda, do Programa Ações Afirmativas na UFMG, acrescenta que a prática promove o que ela chama de “inferiorização do outro”. “Em muitos cursos, o preconceito racial incide de várias formas. E essa discussão não se faz na maioria das unidades, os alunos saem da Universidade sem entender como funciona o discurso que legitima a subalternização de determinados grupos”, analisa.
Na Faculdade de Educação, onde Shirley Miranda(na foto) leciona e sede do Ações Afirmativas, a reflexão é mais frequente. Em matérias optativas, por exemplo, discutem-se assuntos como o racismo no Brasil. “Em dez anos, avançamos muito, e pessoas que eram contrárias às nossas propostas, como as cotas raciais, já aderem ao debate, trazendo novos autores de referência”, conta Shirley.
Para a professora da FaE, racismo, sexismo e homofobia têm que ser nomeados e tratados como tal no âmbito institucional. Ela ressalta que essas formas de violência não são mencionadas de forma explícita no Regimento e no Estatuto da UFMG, que dessa forma colaboram para a perpetuação desse quadro. Claudia Mayorga concorda: “Se o problema não é nomeado, não há objeto a ser enfrentado”, ela destaca, e faz uma analogia: “Na mesma linha, ao adotar as cotas, a UFMG não se pronunciou amplamente sobre a questão, e isso teria sido importante. A Universidade apenas implantou o que foi determinado pelo governo federal”.
Claudia e Shirley afirmam que há estudos acadêmicos suficientes a atestar que comportamentos preconceituosos ocorrem nas universidades brasileiras. Elas defendem que esses trabalhos sirvam de base para o debate, assim como experiências de combate à discriminação em outras instituições. “Devemos nos inspirar e dialogar com outras universidades, em seminários e grupos de trabalho que deverão contribuir para criação de uma política institucional de respeito à diversidade”, sentencia Claudia Mayorga.
Mayorga enfatiza ainda a necessidade de que a comunidade conheça sujeitos que chegam agora à universidade, como os estudantes indígenas. “Temos que dialogar com esses grupos, deixando de falar por eles e abandonando abordagens superficiais.” Para a professora da Fafich, essa mudança de postura é importante para enfrentar sérios problemas que persistem nas salas e corredores. “Recebemos denúncias sem nomes dos responsáveis, porque os alunos temem prejudicar sua vida acadêmica e até a carreira. Alguns cotistas se sentem constrangidos de vir à aula, assustados com a imagem de que eles contribuem para baixar a qualidade da universidade. Como eles vão falar, sob esse peso? Essa é uma forma de silenciamento.”
Shirley Miranda afirma também que nos ambientes de pesquisa a seleção de alunos sofre influência do componente racial, assim como acontece em ambientes de trabalho. Por essas e outras razões, a professora da FaE defende a punição dos culpados pelos trotes violentos e outras manifestações de discriminação, mas não só. “É preciso que se assuma uma posição institucional forte contra o preconceito”, ela diz.
“Temos que parar para pensar no que está acontecendo e falar publicamente às minorias que elas são bem-vindas à universidade e terão mecanismos institucionais de proteção e promoção dos seus direitos”, defende o professor Marco Aurélio Prado, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania GLBT (NUH), sediado na Fafich. Ele compartilha a visão de que o trote não é um caso separado da situação de preconceito e violência institucional, porque procura impor e legitimar hierarquias de ordem sexual, de gênero, de classe e racial.
“Em 2005, denunciamos trotes de caráter homofóbico e alertamos que um dia tomaríamos conhecimento de trotes envolvendo preconceitos raciais e outros. Como não foram tomadas atitudes, a situação foi se alastrando. É preciso exigir medidas que vão além de campanhas como trote solidário ou outras, mas que combatam o preconceito de forma efetiva, incluindo posturas de professores em sala de aula”, afirma o professor do Departamento de Psicologia.
Ele defende medidas concretas e menciona o caso da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que, por exemplo, passou a aceitar o uso do nome social para transexuais, criou canais de denúncia segura e implantou resoluções contra qualquer tipo de preconceito. “É preciso instituir espaços de expressão, em que as pessoas possam falar, em segurança, de situações de humilhação que sofrem”, ressalta Marco Aurélio.