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Nº 1817 - Ano 39
22.4.2013

opiniao

49 anos do golpe: passado ou presente?

Marcelo Sevaybricker Moreira*

Numa tarde modorrenta em sala de aula, o professor lança uma pergunta aos alunos para tentar despertá-los de seu sono habitual: “afinal, vocês acham bom viver em uma democracia?” Ao que uma aluna, surpreendendo o docente, responde: “acho que não deveria dizer isso, mas prefiro mesmo é uma ditadura”. A aluna ainda tinha lá as suas razões, conquistando, então, a adesão de alguns dos seus colegas. O que faz com que adolescentes brasileiros tenham esse tipo de preferência em pleno século 21?

Pesquisas como a do cientista José Álvaro Moisés, publicada em 2008, revelam que no Brasil o número de cidadãos que dizem preferir a democracia a outras formas de regime político é significativamente pequeno (40%), em comparação com a média dos países latino-americanos (53%). Acrescente-se a isso o elevado número de brasileiros que, apesar de preferirem a democracia a outros regimes políticos, não aderem a ela como a única alternativa aceitável (54% frente a 40% da média latino-americana). Assim, mesmo entre os que não se opõem ao regime democrático, muitos brasileiros acham que ditaduras são justificáveis para solucionar problemas econômicos agudos. Mas como interpretar esses dados?

O próprio José Álvaro Moisés argumenta que há no país um forte hiato entre o ideal democrático e sua prática e que ele não está diminuindo com o passar dos anos. Isso sugere que os brasileiros, em geral, não concebem os seus direitos de participação e representação política como canais eficientes para enfrentar problemas como crises econômicas e a corrupção. A despeito de termos instituições políticas democráticas em pleno funcionamento desde, pelo menos, a promulgação da última Constituição, a cultura política nacional ainda é, ao menos em parte, antidemocrática.

De outro lado, há aqueles que asseveram que esses dados não devem ser tomados com pessimismo. Wanderley Guilherme dos Santos, um dos fundadores da Ciência Política brasileira, sustenta que a simples manifestação da insatisfação popular medida por esse tipo de pesquisa não pressupõe, necessariamente, um funcionamento deficiente de nosso sistema político. A democracia é por definição o único tipo de regime que considera qualquer reivindicação como, a princípio, legítima, mesmo aquelas que se colocam contra ela própria. Assim, é inevitável a existência de um elevado número de cidadãos descontentes. Ao contrário do que parece, o Brasil estaria vivendo desde o fim dos anos 1980 um processo de “expansão cívica”, com crescimento considerável do eleitorado, incorporação de regiões antes marginalizadas da competição política, acirramento das disputas eleitorais com maior número de candidatos, resultando em elevada taxa de renovação parlamentar.

Como se vê, não é fácil interpretar os resultados dessas pesquisas. Como está indo a democracia brasileira, levando em conta a sua interrupção em 1964 e a sua retomada nos anos 80? Se Wanderley Guilherme tem razão em destacar o relativo sucesso de suas instituições na comparação com outros países, José Álvaro parece estar certo ao afirmar que muito do autoritarismo de outrora permanece ainda na vida brasileira como um fantasma a nos assombrar.

No último dia 31 de março completamos 49 anos do golpe civil-militar, o evento que colocou a democracia brasileira na geladeira por 21 anos (considerando a eleição indireta de um presidente civil) ou 24 (se o limite histórico for a proclamação da nova Constituição). A um ano do cinquentenário do golpe, diversas situações ainda nos fazem refletir sobre a permanência do autoritarismo no Brasil.

Estão enganados, todavia, aqueles que imaginam que o autoritarismo ainda é parte do Brasil porque seus defensores e antagonistas não morreram em sua totalidade, e, por vezes, nos relembram ainda desses anos. Tampouco o legado autoritário é atual somente pelo fato de vivermos em uma nação profundamente desigual socialmente. O mesmo país que nos anos 70 se ufanava pelo “milagre econômico”, com taxas de crescimento de mais de 10% ao ano, ainda que não estivesse disposto a “repartir o bolo” que crescia, “milagre” este duramente criticado pelo economista Celso Furtado, já àquela época, pela injustiça social que produzia. E não é à toa que o cientista político André Singer sustentou recentemente que as políticas de distribuição de renda aplicadas nas últimas duas décadas pelo governo federal, se diminuíram as desigualdades sociais, conseguiram apenas nos recolocar no patamar em que o país estava no pré-64. O regresso produzido pela ditadura, com efeito, não foi pequeno.

São certamente muitos os modos pelos quais a ditadura ainda nos forma como cidadãos. Tudo isso indica que em vez de esquecermos essa história inglória, cada vez mais distante do tempo, cumpre a ela voltar para nos interrogarmos não só sobre o seu significado passado, mas sobre o que representa para nós hoje. Que os 49 anos do golpe militar não se resumam às comemorações alucinadas de velhos militares e de cidadãos de ultradireita, ou ao simples saudosismo dos combatentes do regime (muitos deles, àquela época, tão distantes do compromisso democrático quanto os primeiros). Esperamos que a data possa contribuir para o debate sobre os avanços e os limites da construção da democracia no Brasil – é o que se deve, talvez não esperar, mas desejar. Quiçá, assim, poderemos saber reagir melhor à insatisfação de alguns jovens brasileiros quanto à democracia e à incômoda declaração de sua preferência pela ditadura.

*Mestre e doutorando em Ciência Política no DCP/UFMG. Professor substituto do Cefet-MG e da PUC Minas