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Nº 1817 - Ano 39
22.4.2013

Minoritárias na escrita

Autores e pesquisadores discutem o papel e o lugar das mulheres na literatura

Ewerton Martins Ribeiro

No Brasil, as mulheres são maioria. Na literatura brasileira, no entanto, a sua representatividade autoral nem de longe faz jus ao tamanho da parcela que representam da população. E isso se dá em função de uma longa história de opressão, impedimento e preconceito. Esse foi o mote do V Colóquio Mulheres em Letras – escritura, valores, sentidos, realizado na semana passada, na Faculdade de Letras.

A professora Constância Lima Duarte, doutora em Literatura Brasileira e coordenadora do Grupo de Pesquisa Letras de Minas, que organizou o colóquio, explica que o cenário reflete a perspectiva masculina que, ao longo da história, sempre pautou a sociedade brasileira. “As mulheres demoraram a ter acesso à escola e, consequentemente, a ser alfabetizadas. A lei que autoriza a abertura das escolas brasileiras para as meninas, por exemplo, é só de 1827. No entanto, já temos literatura brasileira nos séculos 16, 17, 18”, contextualiza.

Constância lembra que, no passado, enquanto os rapazes iam a Paris, Coimbra e Lisboa para cursar universidades, as mulheres eram mantidas em casa, analfabetas. “É só lá por 1830 que começam a aparecer os primeiros nomes femininos na literatura brasileira. Mas eram casos isolados, que sofriam muita opressão. Por isso, em grande parte das vezes, elas assinavam com reticências, abreviações e pseudônimos, muitas vezes masculinos. Nesse sentido, é preciso refletir que publicar é ‘tornar público’. E o espaço da mulher era o espaço doméstico, o espaço privado. Como então ‘tornar público’?”, questiona a especialista.

Mudança?

Constância menciona o nome de Nísia Floresta Brasileira Augusta, ou N.F.B.A., como ela se via obrigada a assinar. “Em 1832, Nísia escreve um livro interessantíssimo, chamado Direitos das mulheres e injustiça dos homens, em que traduz livremente uma grande feminista inglesa, Mary Wollstonecraft. Inspirada na obra, Nísia faz uma espécie de livro dos direitos da mulher brasileira. E quais seriam esses direitos? O direito de aprender a ler, o direito de ser considerada alguém dotado de inteligência.” A professora lembra que, em função dessa obra, Nísia é considerada por muitos a primeira feminista brasileira.

No entanto, Constância lembra que Nísia foi uma exceção – e que pertencia à elite. “As mulheres de outras classes só vão entrar na literatura no século 20, como Carolina Maria de Jesus, por exemplo. E que também é um caso à parte”, pondera.

A recuperação dessa trajetória histórica explica o atual quadro da literatura brasileira, em que ainda se mantém um cenário de injustiça social. Pesquisas desenvolvidas por Regina Dalcastagnè, professora da Universidade de Brasília, demonstram que os modelos sociais construídos e validados pela literatura brasileira contemporânea reportam uma ficção ainda bem pouco múltipla e proporcional à realidade nacional. E isso não diz respeito apenas às mulheres, mas a outros grupos desprivilegiados, como negros e homossexuais.

No livro Literatura brasileira contemporânea: um território contestado, a pesquisadora aponta que 72,7% dos romances publicados foram escritos por homens. Regina Dalcastagnè também chama atenção para a questão da etnia dos autores. Se a população branca representa menos da metade do montante da sociedade – conforme o Censo 2010, do IBGE –, na literatura, o cenário é bem divergente: 93,9% dos escritores são brancos.

Pauta específica

É sob essa perspectiva que a construção ficcional da escritora Conceição Evaristo, uma das palestrantes do colóquio, chama a atenção. Além de mulher, Conceição é negra e trata, em sua literatura, preponderantemente de personagens negros femininos. “Ainda hoje, quando falamos de literatura brasileira, primeiramente são pronunciados os nomes de escritores, depois das escritoras. Creio que qualquer estudante médio tende a se lembrar com mais facilidade de autores que de autoras”, provoca Conceição.

A escritora reflete sobre o uso do conceito de “minoria” para se tratar de grupos marginalizados. “A literatura de autoria feminina só pode ser pensada como de uma minoria se lemos o termo pensando na existência de grupos que são ‘minorizados’ pelo poder hegemônico. Aí, sim, a literatura de mulheres representaria a voz de uma ‘minoria’”, diz Conceição.

Conceição Evaristo defende a importância do amplo debate das exclusões. “Entendo que uma pauta específica se faz necessária sempre que uma pauta geral negligencia a existência, o valor e o sentido das particularidades. Ler, estudar, divulgar o discurso literário produzido por mulheres – em diálogo com outras vertentes do conhecimento – propicia reflexões sobre uma universalidade humana marcada não só pela ótica masculina, mas que abarca, também, o pensamento das mulheres”, conclui a autora.