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Nº 1817 - Ano 39
22.4.2013

Maturidade acadêmica

UFMG é uma das poucas universidades no país cujo número de alunos de doutorado supera o de mestrado

Ana Rita Araújo

Pela primeira vez desde que a UFMG criou sua pós-graduação, há cerca de quatro décadas, o número de alunos em cursos de doutorado ultrapassou o de mestrado. “Esse crescimento demonstra consolidação da pesquisa, qualificação do corpo docente, qualidade e complexidade dos projetos desenvolvidos, que têm como características a inovação e a ousadia”, avalia o professor Ricardo Santiago Gomez, pró-reitor de Pós-graduação.

Renato de Lima Santos, pró-reitor de Pesquisa, vê “absoluto paralelismo” entre o crescimento da pós-graduação e a expansão da produção científica nos últimos anos. “O elevado porcentual de doutorandos, associado ao número de programas com conceitos 6 e 7, demonstra a maturidade da pós-graduação, o que nos faz prever um contínuo crescimento quantitativo, mas principalmente um avanço qualitativo da produção científica, propiciando maior visibilidade da Instituição no cenário global”, comenta.

Tal visibilidade tem atraído para a pós-graduação estudantes de todos os continentes, levando programas a ampliar o número de disciplinas e seminários em língua inglesa. Na Engenharia Elétrica, por exemplo, cinco das dez linhas de pesquisa nas três áreas de concentração já podem ser totalmente desenvolvidas em inglês, incluindo a redação e a defesa da tese. Além de atender melhor o novo público, essa prática treina os alunos brasileiros para falar, ouvir e escrever em uma segunda língua. “A formação do quadro de docentes torna possível essa prática, tanto do ponto de vista acadêmico quanto técnico. E esse tem sido o cartão de visitas para atrair estrangeiros”, relata o coordenador do programa, professor Reinaldo Martinez Palhares.

Já o Instituto de Ciências Biológicas (ICB), que oferece 12 programas de pós-graduação, tornou-se uma espécie de QG da comunidade paquistanesa, ajudando a acolher colegas de países como Irã e Índia que chegam para cursar doutorado e pós-doutorado também em outras unidades acadêmicas da Universidade.

Movimentos paralelos

A UFMG oferece 72 programas de pós-graduação em todas as áreas do conhecimento. Em 2011, havia 3.839 alunos inscritos nos 72 cursos de mestrado, número que subiu para 4.044 no final de 2012. Já os 62 cursos de doutorado tinham 3.644 alunos em 2011 e hoje conta com 4.163 matriculados.

Ricardo Gomez ressalta que o crescimento não é fato isolado, mas fruto de “movimentos paralelos”, pois demonstra maior qualificação do corpo docente para receber esses candidatos, além de se refletir nos cursos de graduação e nas atividades de extensão, bem como na publicação de artigos e no depósito de patentes. Em sua opinião, a quantidade de doutorandos pode ser considerada um dos parâmetros que medem o grau de consolidação de uma instituição, assim como os conceitos dos cursos, emitidos periodicamente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o número de orientadores nos programas e de pesquisadores da instituição que atuam junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O fortalecimento dos cursos de doutorado não diminui a importância dos mestrados, garante Gomez. Segundo ele, frequentemente, o bom aluno de doutorado é aquele que trabalhou no mestrado com propostas avançadas, hipóteses impactantes e metodologia sofisticada, que posteriormente foram desdobradas em projeto com maior nível de complexidade.

Diversidade

Primeiro paquistanês a obter título de doutor pela UFMG, o bioquímico Syed Shah Hassan chegou ao Brasil há quatro anos. Hoje no pós-doutorado, já domina bem a língua portuguesa e procura facilitar o acolhimento de recém-chegados como o iraniano Hossen Bonyan Khamseh, que veio para o doutorado em engenharia elétrica, e o indiano Sandeep Tiwari, aluno do doutorado em bioinformática. Hassan conta que com a bolsa obtida junto à Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS) – entidade com sede em Trieste (Itália) – poderia ter escolhido a China ou a Rússia, mas preferiu desenvolver suas pesquisas em genética sob a orientação do professor Vasco Ariston de Carvalho Azevedo, do Departamento de Biologia Geral do ICB. “O currículo do orientador é um item fundamental”, justifica.

Isabella Lucas
Syed Hassan pretende manter laços de cooperação com a ciência brasileira
Syed Hassan pretende manter laços de cooperação com a ciência brasileira

Quando retornar ao seu país, onde atuará como professor assistente em programa de pós-graduação, pretende manter os laços aqui criados, com a realização de pesquisa em rede. “Trabalhamos com sequenciamento genômico, montagem e anotação, atividades que podem ser feitas em qualquer parte do mundo e que precisam sempre de mais pessoas capacitadas”, diz Hassan. Enquanto permanecem no ICB, ele e o colega paquistanês Amjad Ali colaboram com Vasco Azevedo na triagem de candidatos estrangeiros aos doutorados em genética e em bioinformática, e atuam como tradutores e guias dos colegas pelas ruas e balcões da burocracia brasileira.

De acordo com Vasco Azevedo, cerca de 10% dos doutores formados em bioinformática são estrangeiros. “Aqui, recebemos estudantes de países como Egito, Paquistão, Irã e Índia, que têm financiamento misto da TWAS e do CNPq”, comenta o professor, lembrando que, em sintonia com a Capes, a Administração Central da UFMG quer alcançar a internacionalização dos cursos. “No sentido inverso, os brasileiros que usufruem desse contato, em salas de aula e laboratórios, com falantes de outras línguas, agora têm mais bolsas para doutorados sanduíche, e a legislação já permite doutorado em cotutela, em que o aluno pode defender a tese em qualquer das línguas e o diploma é válido nos dois países”, enfatiza Azevedo.

Além do intercâmbio acadêmico, Vasco Azevedo destaca as trocas culturais possibilitadas pelos contatos entre pesquisadores estrangeiros. Segundo ele, há alunos de várias religiões, como mulçumanos, budistas e evangélicos. “Vemos práticas religiosas como o jejum no Ramadã, nono mês do calendário lunar islâmico, bem como as orações em direção a Meca, a cidade sagrada. Mas eles também se adaptam, pois agora, em lugar da bússola, usam dispositivos móveis para indicar o Norte”, brinca o professor.

Isabella Lucas
Professor Vasco (segundo à direita) orienta pesquisadores indianos e paquistaneses
Professor Vasco (segundo à direita) orienta pesquisadores indianos e paquistaneses

Burocracia, a inimiga número 1

Adaptações culturais à parte, as maiores barreiras para a chegada e permanência dos estrangeiros são as burocráticas. Obtenção de CPF, de selo consular que ateste que a versão do diploma em português foi feita por tradutor juramentado, abertura de conta bancária e a exigência de fiadores para aluguel de imóvel são os grandes obstáculos para esses pesquisadores, que só recebem bolsa se comprovarem endereço e alugam casa ou apartamento se tiverem renda.

Aos poucos, os caminhos vêm sendo desbravados. A página na internet do Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica, em inglês, não se atém apenas aos dados acadêmicos sobre a seleção, mas também oferece informações valiosas a respeito da obtenção dos documentos. “Descobrimos, por exemplo, que o CPF demora 48 horas para ser validado junto à Receita Federal se for pedido em banco; a mesma operação se reduz a alguns minutos caso efetuada nos correios. Como a liberação da bolsa depende desse documento, é muito importante acelerar processos”, conta o coordenador do curso, professor Reinaldo Palhares.

Em sua opinião, dificuldades para os estrangeiros não ocorrem apenas no Brasil. “A diferença é que países como os Estados Unidos já estão habituados a receber pesquisadores. Além disso, lá o governo confia nas informações emitidas pelas universidades”, comenta. Para Vasco Azevedo, a raiz do problema está na falta de diálogo entre os órgãos governamentais brasileiros. “Como qualquer pesquisador, esses estudantes podem ter necessidade de realizar trabalho provisório em um laboratório europeu, mas por serem estrangeiros não têm permissão do Brasil para essa mobilidade”, exemplifica Azevedo, que cita também os entraves para uso do sistema público de saúde e para moradia.

Esse item, aliás, é considerado prioritário por Reinaldo Palhares. “Para que haja de fato internacionalização dos cursos e universidades é indispensável que se encontre uma solução para a moradia desses pesquisadores, que atualmente se valem do esforço pessoal de professores e orientadores”, afirma.