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Nº 1820 - Ano 39
13.5.2013

Barreira contra a toxoplasmose

Pesquisadores da UFMG identificam novos receptores que atuam na proteção contra doença

Ewerton Martins Ribeiro e Luana Macieira*

O sistema imune inato é a primeira barreira do organismo contra infecções. No momento em que o agente causador de uma doença entra em contato com o organismo de uma pessoa, ele combate o patógeno até que seja desenvolvida a imunidade adquirida, que é aquela mais tradicional e conhecida, envolvendo os linfócitos T e os anticorpos. O sistema imune inato combate infecções primárias, quando a imunidade adquirida ainda não foi desenvolvida.

Um grupo de pesquisadores da UFMG acaba de identificar a existência de receptores da imunidade inata específicos para o Toxoplasma gondii, agente causador da toxoplasmose e o protozoário de maior alcance no mundo, afetando um terço da população do planeta. Os resultados da descoberta estão no artigo Combined action of nucleic acid-sensing toll-like receptors and TLR11/TLR12 heterodimers imparts resistance toToxoplasma gondii in mice, que contou com a participação do professor Ricardo Gazzinelli, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, e do aluno de doutorado da UFMG Warrison Andrade.

O estudo, publicado em janeiro deste ano na revista Cell Host & Microbe, demonstrou que a resistência mediada pelo sistema imune inato envolve o reconhecimento do T. gondii por pelo menos quatro receptores da imunidade inata. “Por meio de testes feitos em animais geneticamente modificados, descobrimos que a ação combinada dos TLRs [do inglês, Toll-Like Receptors] 7, 9, 11 e 12 é essencial para o controle da infecção em camundongos, reservatórios naturais deste parasito devido à proximidade com os gatos, que são os hospedeiros definitivos e importantes transmissores do parasito na natureza e para os humanos”, explica o pesquisador Warrison Andrade.

A toxoplasmose normalmente é assintomática, porém muito perigosa em gestantes não previamente expostas ao parasito. Se infectada, uma grávida corre o risco de abortar, ou a criança pode nascer com lesões oculares ou deficiências no sistema nervoso. “O sistema imune inato tem, pois, papel fundamental na resistência à toxoplasmose congênita”, afirma Andrade.

Ação conjunta

Em seus estudos, Warrison Andrade valeu-se de técnica denominada FRET [do inglês, Fluorescent Ressonance Energy Transfer], que permite avaliar a proximidade de proteínas, e demonstrou que os receptores TLR11 e TLR12 funcionam conjuntamente para reconhecer o parasito. Como foi observado que os genes que codificam os receptores TLR11 e 12 funcionais estão ausentes no genoma humano, esses achados sugerem que os receptores TLR 7 e 9, que reconhecem ácidos nucleicos do parasita, são essenciais para o controle da toxoplasmose em humanos.

“Devido à exposição contínua e intensa ao parasito e à proximidade com os felinos, parece que os roedores – mas não os humanos – sofreram pressão seletiva para a manutenção dos genes TLR11 e TLR12 funcionais”, acredita Andrade.

Outra explicação para o fenômeno, acrescenta o doutorando, seria a de que os humanos desenvolveram receptores alternativos para o reconhecimento e controle desse parasito na infecção primária. “A identificação dos mecanismos alternativos da resistência à toxoplasmose em humanos pode nos dar uma luz para entendermos como desenvolver vacinas e prevenir a doença”, afirma Warrison Andrade.

Antes da década de 1990, os pesquisadores acreditavam que a imunidade inata era pouco específica e possuía poucos receptores. Hoje, já se sabe que ela tem receptores capazes de reconhecer diversos patógenos. A constatação de que o sistema imunológico inato também possui receptores foi tão importante para os estudos na área de imunologia que os pesquisadores Bruce Beutler e Jules Hoffmann ganharam, em 2011, o Prêmio Nobel de Medicina pela descoberta.

“Imaginava-se que as infecções ativavam as células do sistema imune inato de uma maneira não específica. Mas evidências mostraram que havia receptores e que cada um deles era usado para combater certo patógeno. Com isso, começamos a ver que os receptores tinham especificidade para certos tipos de organismos: uns reconheciam bactérias, outros vírus, mas pouco se sabia sobre os receptores que reconheciam protozoários”, afirma o professor Ricardo Gazzinelli. Além da toxoplasmose, o laboratório que ele coordena no ICB tem se dedicado a identificar receptores que reconhecem protozoários de outras enfermidades como a malária e doença de Chagas.

A doença

Depois que a pessoa é infectada com o T. gondii, o parasito forma cistos que podem se alojar em várias partes do corpo, principalmente no sistema nervoso central. Pessoas com sistema imunológico saudável conseguem manter o agente sob controle, o que proporciona imunidade para infecções futuras com o mesmo patógeno.

No entanto, para pessoas que possuem o sistema imunológico debilitado, como os portadores do HIV, tal parasito traz diversos problemas. No caso das gestantes não expostas previamente (não imunes), a infecção com o T. gondii pode levar à transmissão congênita, com consequências graves para o feto.

Para evitar a doença, é necessário cozinhar bem as carnes, já que o parasito pode ser encontrado em carnes cruas ou mal passadas, lavar as mãos, frutas e verduras e cuidar da higiene dos gatos, portadores e principais transmissores do patógeno, liberado no meio ambiente por meio das fezes dos felinos.

*Reportagem publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 8 de maio de 2013