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Nº 1849 - Ano 40
16.12.2013

opiniao

Desafios da educação de jovens e adultos no Brasil

Gilmara de Souza Gomes*

A necessidade de letramento dos jovens e adultos é uma realidade brasileira e figura nas agendas políticas no sentido de sua implantação cada vez mais abrangente. Esse objetivo não visaria um ajustamento, mas a participação na construção de uma sociedade em que o resultado da produção material e cultural esteja disponível para todos, assegurando qualidade de vida e inclusão social. Entretanto, devem ser levadas em consideração as dimensões cognitivas de aprendizagem desse público, tornando-se, assim, necessário outro tipo de pedagogia, com novos métodos que permitam o acesso à cultura geral elaborada, sem matar a cultura primeira do aluno, que constitui um importante instrumento de luta para as minorias.

Isso se deve ao fato de que essa etapa da vida humana é determinada por profundos impactos sobre a vida social evidenciados pelas transformações no mundo do trabalho no desenvolvimento das forças produtivas. O objetivo educacional a ser atingido seria a capacidade do indivíduo para lidar com a incerteza, substituindo rigidez por flexibilidade, a fim de se adequar às demandas e dinâmicas ditadas pela nova ordem mundial. Uma educação verdadeiramente concebida como afirmação da liberdade.

Sabe-se que essa ideia tem ressonâncias anteriores mesmo ao pensamento liberal. Ela persiste desde a Grécia Antiga como uma das mais relevantes para o humanismo ocidental e se encontra incorporada a várias correntes da pedagogia moderna. No contexto latino-americano, várias concepções surgiram e se dividiram em múltiplas correntes e tendências existentes até hoje. Consequentemente, foram desenvolvidas linhas de pensamento ligadas à defesa e à elaboração de estratégias de aprendizagem, às metodologias, ao desenvolvimento cognitivo e às possibilidades significativas de ensino.

Quanto ao desenvolvimento da identidade pedagógica da educação no Brasil, pode-se afirmar que ela não foi construída tendo como referências os ciclos psicológicos e cognitivos (infantil, juvenil, maturidade, senil), mas em torno de uma representação socialmente enraizada, na qual se aceita a exclusão de uma parcela da população para quem a educação seria uma realidade inatingível, com a formação básica destinada apenas a crianças e adolescentes. Jovens e adultos estariam fora desse contexto.

Pelo que se percebe da história da educação brasileira nos últimos 50 anos, houve um movimento de educação de adultos que assumiu diferentes configurações em cada período, mas em todos houve relações de cooperação e conflito com os governos. Até as últimas décadas do século 20, o Brasil sempre se caracterizou como um país de acesso seletivo à educação, mantendo simetria com as profundas desigualdades socioeconômicas.

Paulo Freire afirmou que o povo era, desde o período colonial, proibido de crescer e de falar. Até a década de 1940, a educação de jovens e adultos (EJA) foi concebida e entendida como extensão e democratização, principalmente para a zona rural, da escola formal urbana. Nos anos de 1950, a EJA significava educação de base, vinculada apenas ao desenvolvimento comunitário. No final da década de 1950, duas tendências se fundamentaram: a educação de adultos com viés libertador e a de caráter funcional, profissional, ou seja, o treinamento de mão de obra dependente, produtiva e útil ao projeto de desenvolvimento nacional.

Naquele momento tornou-se clara e necessário “uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política”. Uma educação para o desenvolvimento e para a democracia haveria de oferecer ao indivíduo instrumentos para resistir aos poderes do desenraizamento da civilização industrial, possibilitando ao homem a discussão de sua problemática existencial e social. A educação deveria apontar para constantes revisões e para a análise crítica de seus questionamentos. Pensava-se em um processo que fizesse do homem alguém cada vez mais consciente de sua transitividade, tanto de forma crítica, como racionalmente.

Desde os anos 1960, a influência e a participação desse movimento na execução de políticas públicas foram mais intensas nos períodos de vigência do regime democrático e em casos de governos de orientação progressista. Nos anos de 1970, essas duas correntes se fixaram, a libertadora como educação não formal, alternativa à escola, e a funcional como suplência do processo formal. Neste último, foi desenvolvido o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), com princípios opostos aos formulados por Paulo Freire.

A partir da primeira década do século 20, os educadores se mobilizaram em torno de um grande movimento político que concentrou atenção e respeito às dimensões individuais e o reconhecimento das peculiaridades da idade infantil, diferenciando-a das especificidades da vida adulta. Esse movimento também procurou reagir aos discursos pedagógicos que se apegavam à memorização de conteúdos sem relevância para os alunos. Nos últimos anos, houve a universalização da oferta de vagas no ensino fundamental, incluindo a população que estaria “fora” da faixa regular, ou seja, a Educação de Jovens e Adultos. Contudo, essa oferta de vagas não significa, necessariamente, inclusão real de toda a população não escolarizada. Quanto aos outros níveis do ensino básico (infantil e médio), a universalização da oferta de vagas está gradativamente se tornando realidade. Resta consolidar.

*Bacharel em Turismo pela PUC Minas e mestre em Turismo e Meio Ambiente pelo Centro Universitário UNA