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Nº 1853 - Ano 40
24.02.2014
Luana Macieira*
Pela primeira vez uma bactéria que causa diarreia em animais foi descrita no Brasil. Trata-se da Clostridium difficile, padronizada e analisada no doutorado do pesquisador Rodrigo Otávio Silveira Silva. Na tese Clostridium difficile: padronização e avaliação de métodos de diagnóstico, ocorrência em seres humanos e animais e desenvolvimento de um modelo experimental em hamster, defendida em janeiro deste ano, o pesquisador foi o primeiro a observar a ocorrência da doença em animais carnívoros silvestres, como jaguatirica, lobo-guará e onça parda, além de equinos e cães. Segundo o pesquisador, a pesquisa é inédita no Brasil. “Ainda não havia nenhum estudo sobre esse microrganismo no país. Clostridium difficile é uma bactéria anaeróbia que foi descoberta em 1930, mas só na década de 1980 os pesquisadores perceberam que ela era um agente patogênico. Durante o meu mestrado, iniciamos uma série de descobertas sobre essa bactéria”, explica Rodrigo Otávio Silva.
Rodrigo Otávio descobriu que a bactéria causava diarreia em suínos, sendo responsável pela diminuição do peso em filhotes de leitão, gerando perda de produção em granjas. Após a conclusão do mestrado, o pesquisador decidiu ampliar os estudos para outros animais e humanos. “No caso de cães e equinos, a doença é grave e, se não for tratada de forma correta e rapidamente, leva à morte”, diz Silva.
Depois das pesquisas realizadas no Laboratório de Anaeróbicos da Escola de Veterinária da UFMG, os agentes foram avaliados em um laboratório da Eslovênia. O objetivo dessa etapa era verificar se a bactéria que provoca a diarreia em animais se assemelhava ao causador da doença em humanos.
“Como a doença ocorre muito em animais e em seres humanos, surgiu a suspeita de que se tratava de uma zoonose, ou seja, uma doença que pudesse ser transmitida de animais para humanos e vice-versa. No laboratório da Eslovênia, percebemos que os agentes são bem parecidos, o que corrobora a ideia de que seja mesmo uma zoonose”, afirma o pesquisador.
Durante o pós-doutorado, o pesquisador pretende dar início ao desenvolvimento de uma vacina, uma vez que até o momento a doença é tratada apenas por antimicrobianos. Silva também pretende elaborar fôlderes informativos para serem distribuídos aos veterinários. Segundo ele, o conhecimento sobre a doença ainda é restrito à academia. “No Brasil é muito comum tratar animais doentes com antibióticos. No caso dessa diarreia, que comumente ataca animais com a microbiota bacteriana alterada – consequência do uso excessivo de antibióticos –, esses medicamentos podem piorar o quadro”, justifica o pesquisador.
Os estudos também foram conclusivos nas análises em humanos. A doença já era conhecida em ambiente hospitalar, onde está frequentemente associada a infecções. Em trabalho de campo no Hospital das Clínicas, Rodrigo Otávio observou como a infecção por Clostridium difficile aparecia em humanos, uma vez que muitos pacientes apresentavam a doença, mas poucos eram diagnosticados com a bactéria. “Em humanos, essa infecção é hospitalar. A pessoa está internada por um motivo qualquer e aí apresenta diarreia. Os médicos do HC suspeitavam que a causa da infecção pudesse ser Clostridium difficile e mandavam as amostras de fezes para o laboratório. Analisamos amostras de 104 pacientes e 30% deram positivo para a doença”, explica.
Silva explica que o diagnóstico feito no laboratório, com equipamentos mais modernos e por meio de um método mais elaborado de cultura de células, resulta em análise mais precisa que a dos hospitais, onde são comumente utilizados kits de Elisa (do inglês Enzyme-Linked ImmunoSorbent Assay), testes capazes de detectar a toxina do agente e muito usados para diagnóstico da infecção.
“Percebemos que o kit Elisa possuía uma sensibilidade baixa para detectar Clostridium difficile. Dessa forma, muitos pacientes eram diagnosticados como falso negativo e saíam do isolamento, sendo colocados com outras pessoas no hospital e as infectando posteriormente. Deduzimos que esse falso diagnóstico pode ser um dos motivos para a infecção persistir no ambiente hospitalar”, diz.
O pesquisador ressalta a necessidade de diagnóstico mais preciso em humanos, apesar de a doença não trazer risco de morte. “A infecção hospitalar é um problema grave e que acontece em todo o mundo. Se uma pessoa com Clostridium difficile for corretamente diagnosticada e colocada em isolamento, ela dificilmente passará a doença para outros pacientes, o que vai reduzir o grau de infecção”, conclui o recém-doutor.
*Matéria publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 17/02/2014