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Nº 1860 - Ano 40
21.04.2014

Os leitores nos tempos do imperador

Pesquisadora analisa evolução da prática de leitura e circulação da informação em MG durante o século 19

Matheus Espíndola

Nos primeiros anos que se seguiram à Independência do Brasil, predominou na população mineira letrada o sentimento de que era urgente a criação de bibliotecas e a difusão do hábito de ler entre os cidadãos, com vistas a elevar o país ao mesmo nível cultural da Europa. Essa consciência foi, gradativamente, sendo sobreposta pelos anseios de cunho político, que vieram à tona, em especial, durante a Guerra do Paraguai, além dos episódios que culminaram com o fim da escravidão e a proclamação da República.

Essa foi uma das conclusões a que chegou a pesquisadora Flávia Silvestre Oliveira, que analisou editoriais e seções de cartas de jornais que circularam em Minas Gerais durante o Império. A pesquisadora defendeu, em 31 de março, na Escola de Ciência da Informação (ECI), a dissertação Práticas de leitura e a circulação da informação na Minas do século XIX. Seu objetivo foi identificar o perfil dos leitores da época, quais seus interesses prioritários e de que maneira evoluiu a prática da leitura na província.

“Os artigos assinados pelos editores serviram de parâmetro para determinar a linha editorial de cada jornal. As cartas também passaram por um crivo. As muito elogiosas foram descartadas na minha pesquisa, pois podem ter sido plantadas pelos proprietários dos veículos ou seus conhecidos”, detalha a autora, lembrando que era raro encontrar livros no Brasil durante o século 19.

As correspondências enviadas aos veículos no início do Império evidenciavam a forte associação feita pelos leitores entre o desenvolvimento civilizatório do Brasil e a propagação da leitura. “O discurso sobre a cultura era mais inflamado. Naquele momento foram criadas as primeiras bibliotecas aqui em Minas”, informa. Mas, com o passar dos anos, esse interesse foi se diluindo. “No final da monarquia, as cartas ganharam um caráter de contestação política. Os veículos abriam espaço para essas mudanças no posicionamento”, conta Flávia Oliveira.

A pesquisa foi dividida em três eixos: o primeiro diz ­respeito aos discursos sobre a leitura, ou o que se pensava sobre o ato de ler e escrever, e a importância dessa reflexão como variável de elevação cultural do país. A segunda categoria se refere à identificação do público que tinha acesso a esse universo. “Eram basicamente membros da elite, algumas mulheres e também tropeiros”, resume Flávia. O terceiro recorte recaiu sobre o diálogo estabelecido entre os leitores, o que serviu para dimensionar a intensidade de circulação das ideias. “Um mandava a carta, o outro rebatia. Uma terceira pessoa comentava”, explica a pesquisadora.

Os cinco periódicos estudados foram Universal e Diário de Ouro Preto, impressos na então capital mineira; Jequitinhonha, editado em Diamantina; Sul de Minas, da cidade de Campanha; e Astro de Minas, produzido em São João del-Rey.

Diversidade

Segundo Flávia Oliveira, a proliferação dos periódicos em ­Minas Gerais foi desencadeada pelo fim da censura do governo aos impressos, em 1821. E essa ampliação da palavra impressa foi em grande medida responsável pelo aprimoramento intelectual dos mineiros. “Os periódicos passaram a imprimir poesias, literatura, novelas, folhetins. Até então as pessoas não tinham acesso a esse tipo de produto, ou era muito restrito”, completou.

A pesquisadora destaca que é possível traçar um paralelo entre a forma atual de circulação da informação e a que vigorou até o século 19. “Naquele tempo, o jornal era a única fonte, e o intervalo de acesso a edições distintas era de pelo menos três ou quatro dias. Havia tempo para refletir, questionar, dialogar. Hoje há mais possibilidades e por isso as transformações na sociedade ocorrem mais rapidamente”, finaliza a autora do trabalho.

Dissertação: Práticas de leitura e a circulação da informação na Minas do século XIX
Autora: Flávia Silvestre Oliveira
Orientadora: Maria da Conceição Carvalho
Defesa: 31 de março no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação