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Nº 1874 - Ano 40
01.09.2014

opiniao

Ética no serviço público

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Completa 20 anos o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. O importante marco regulatório foi formalizado pelo Decreto 1.171, de 22 de junho de 1994, assinado pelo então presidente da República, Itamar Franco. Com o compromisso deontológico de orientar moralmente as condutas do funcionalismo público, a iniciativa legal visa ao atendimento adequado e irrestrito dos princípios que regem a Administração Pública, segundo a Constituição Federal, a saber: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

Considerando a primeira regra do Código de Ética, a dignidade, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais devem balizar a atuação do servidor público, tanto no exercício da função quanto fora dele, uma vez que suas atitudes refletem “o exercício da vocação do próprio poder estatal”. Portanto, padrões éticos se fazem necessários para o funcionário público, visto que ele, como agente governamental a serviço do bem-estar coletivo, deve servir de modelo comportamental para toda a sociedade. A segunda regra do Código de Ética é bem clara no cumprimento dessa ordem: “o servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta”, devendo diferenciar, principalmente, o que é honesto do que é desonesto.

O argumento moral, nesse sentido, tenta apelar para uma capacidade de motivação imparcial que se supõe haver em todos nós. Infelizmente, ela pode estar profundamente enterrada e, em alguns casos, pode simplesmente não existir. Em todo caso, precisa competir com poderosos motivos egoístas e com outros que talvez não sejam tão egoístas, em sua luta para controlar nosso comportamento. Se devemos aceitar que uma pessoa está vivendo de acordo com padrões éticos, isso deve se dar com base em certo tipo de justificativa, lembrando, por exemplo, que uma justificativa fundada no interesse pessoal não pode ser aceita.

Conforme prescreve a regra III do Código de Ética do Servidor Público: “a moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo”. Para serem eticamente defensáveis, é preciso demonstrar que os atos com base no interesse pessoal são compatíveis com princípios éticos de bases mais amplas, pois a noção de ética traz consigo a ideia de alguma coisa maior que o individual. Se vou defender a minha conduta em bases éticas, não posso mostrar apenas os benefícios que ela me traz. Devo reportar-me a um público maior.

Para a lisura de sua atribuição profissional, compete ao servidor público compreender que a sua base salarial provém exclusivamente de “tributos pagos direta e indiretamente por todos, até por ele próprio”, conforme a ordem da legalidade, não devendo, portanto, receber propina ou aceitar suborno para viabilizar favorecimentos de ordem privada e/ou corporativa. Tal atitude ilícita é enquadrada como corrupção, caso grave de improbidade administrativa. Assim reza a regra IV do Código de Ética, sendo complementada pela regra V que, por sua vez, reforça a tese de que a qualidade profissional precisa ser incorporada como principal mérito de realização do servidor público: “o trabalho desenvolvido pelo servidor público perante a comunidade deve ser entendido como acréscimo ao seu próprio bem-estar, já que, como cidadão, integrante da sociedade, o êxito desse trabalho pode ser considerado seu maior patrimônio”. Portanto, salário e estabilidade precisam ser compreendidos como respostas justas, conforme o compromisso real do funcionalismo público com a alta produtividade a fim de atender, com excelência, aos anseios da população.

Destaque especial para as regras VIII e X, que sintetizam a filosofia ética que deve reger a função pública a ser exercida pelo servidor com competência e moralidade. Vale a pena transcrevê-los:

“VIII – Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação.

[...]

X – Deixar o servidor público qualquer pessoa à espera de solução que compete ao setor em que exerça suas funções, permitindo a formação de longas filas, ou qualquer outra espécie de atraso na prestação do serviço, não caracteriza apenas atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano moral aos usuários dos serviços públicos”.

Para atender de fato a essas prerrogativas importantes, o servidor público precisa respaldar suas ações, zelando pelos princípios da cortesia, da boa vontade e do cuidado. Códigos de ética dessa natureza visam acolher, com sistematização, o chamado preceito áureo. Este diz que devemos ir além dos nossos interesses pessoais e atribuir aos interesses alheios o mesmo peso que atribuímos aos nossos. A mesma ideia de colocar-se no lugar do próximo está implícita na formulação segundo a qual devemos fazer aos outros aquilo que gostaríamos que eles nos fizessem. Com exatidão maior, o objeto da ética é a moralidade positiva, ou seja, o conjunto de regras de comportamento e formas de vida por meio das quais tende o homem a realizar o valor do bem.

*Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.