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Nº 1874 - Ano 40
01.09.2014

Cidades à venda

Professores da UFMG e da UFF revelam em livro como governos transformam áreas urbanas para o turismo, beneficiando grandes empresas e excluindo a população

Itamar Rigueira Jr.

Promoção de grandes eventos, parcerias público-privadas, regimes legais diferenciados, construção de infraestrutura em tempo recorde e em prejuízo de necessidades básicas da população. Essas são algumas das estratégias de que governos e corporações lançam mão para transformar cidades em destinos turísticos, no Brasil e no exterior. E como isso acontece? Depois de dez anos de pesquisas e viagens, os professores Altamiro Sérgio Mol Bessa, da Escola de Arquitetura da UFMG, e Lúcia Capanema Álvares, da Universidade Federal Fluminense (UFF), respondem a essa pergunta no livro A construção do turismo – Megaeventos e outras estratégias de venda das cidades (editora C/ Arte), que acabam de lançar.

Barcelona, Dubai, Cingapura, Belo Horizonte e Rio de Janeiro são usadas como exemplos típicos do fenômeno. “As cidades são transformadas em mercadoria, em produto que deve ser vendido e consumido como espetáculo do turismo, mas quase sempre em prejuízo do cotidiano e do bem-estar da maioria absoluta da população”, comenta Altamiro Bessa. Ele admite que pode haver ganhos pontuais para as comunidades locais, mas a regra é que não haja participação popular nas decisões. No caso recente dos jogos da Copa em Belo Horizonte, o pesquisador menciona reclamações sobre perdas no comércio e ressalta que é preciso aguardar números consistentes sobre incremento do fluxo turístico para a capital mineira.

Altamiro Bessa explica que o Estado se abstém de cuidar da qualidade de vida e associa-se ao capital, o que leva à conformação das relações sociais pelas leis de mercado. “Eventos como a Copa e as Olimpíadas ajudam a justificar a atração de investimentos privados e promovem competição entre metrópoles regionais como Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza e Belo Horizonte”, afirma.

Modelo replicado

Segundo o professor, o modelo de Barcelona é o mais replicado até hoje pelas grandes cidades. Em meados do século 19, a cidade catalã resolveu utilizar a riqueza acumulada pela burguesia têxtil para se transformar em capital cultural, atraindo o mundo pelo patrimônio artístico e arquitetônico. “A cidade adotou um modelo urbanístico que continua interessante e captou a Exposição Universal de 1888. As transformações tiveram efeito positivo sobre alguns indicadores sociais, mas foram nefastas ao afastar camadas da população para periferias e elevar o custo de imóveis e serviços”, revela.

O livro aborda também os casos de Dubai e Cingapura – que investiu em sua localização no cruzamento natural de rotas marítimas, incrementou estrutura de portos e aeroportos e construiu paisagem que valoriza a alta tecnologia. Para se precaver contra o esgotamento das reservas de petróleo, Dubai resolveu criar uma espécie de paraíso artificial, mas esse modelo, desgastado pela crise internacional e pela concorrência de outros destinos, também já dá sinais de falência. “O emirado árabe é exemplo de uma bolha pronta para estourar, e, guardadas as proporções, o mesmo pode acontecer com cidades brasileiras que investem de maneira não sustentável”, afirma Altamiro Bessa.

A respeito das cidades brasileiras analisadas no livro, a professora Lúcia Capanema afirma que as estratégias de turismo em Belo Horizonte e Rio de Janeiro têm o propósito de fomentar o mercado imobiliário “a qualquer custo”. “No Vetor Norte, em BH, a construção da cidade administrativa, do aeroporto e de uma catedral está relacionada à transformação de uma área de proteção ambiental em uma cidade de 300 mil habitantes, com investimentos vultosos do poder público que geram lucros para a iniciativa privada”, diz Lúcia, que é professora da pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF. No Rio de Janeiro, segundo ela, os investimentos em mobilidade privilegiam o acesso à Barra da Tijuca, que ainda dispõe de espaço para a expansão imobiliária, “à custa de remoção ilegal de famílias e do desrespeito à legislação ambiental”.