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Nº 1882 - Ano 41
27.10.2014

opiniao

História geográfica do espaço mineiro

Antonio de Paiva Moura*

Vagner Luciano de Andrade**

Os historiógrafos leigos, isto é, graduados em áreas alheias à história, seguem metodologia tradicional. Alguns advogados, engenheiros, geógrafos e médicos com boa capacidade de narração historiam os fatos relevantes de suas terras natais. Esses historiadores amadores, mesmo colocando em evidência as suas parentelas, contemplam as figuras públicas da realidade que analisam. Ao mesmo tempo, prestam enorme serviço de divulgação das fontes primárias e secundárias, contribuindo com a historiografia. Assim, escritura histórica numa perspectiva geográfica e sociológica insere amplos diálogos interdisciplinares, transdisciplinares e multidisciplinares. A compreensão da produção do espaço perpassa uma série de outras ciências.

Como categoria epistemológica, a ciência geográfica compreende os conceitos de tempo e memória como indispensáveis na reconfiguração do espaço geográfico. O trabalho historiográfico do geógrafo busca explicitar o contexto de produção do espaço no âmbito dos territórios, analisando as relações existentes entre homem e natureza e a apropriação dos recursos naturais e suas consequências. Com base na informação histórica, teoricamente apurada e retrabalhada, o geógrafo analisa a formação territorial, o meio natural e aspectos ambientais, evidenciando formas sustentáveis de desenvolvimento social, econômico e cultural. Nesse contexto, questões da memória baseadas na relação entre as pessoas e destas com o espaço não são exclusivas da história, mas perpassam a essência da geografia, uma ciência interdisciplinar. Portanto, os trabalhos, os estudos e as análises dos geógrafos são muito importantes para todos os setores da vida social e cultural dos municípios e demais territórios.

O contexto histórico-geográfico do centro mineiro é uma síntese interdisciplinar desse fenômeno. A geografia, em diálogo permanente com a história, lança mão de diversas disciplinas científicas para contar como os primeiros povoadores de Minas Gerais escolheram a região central para seus plantios de subsistência. Em seus 300 anos de ocupação, a região de Campos das Vertentes teve três momentos de intenso fluxo migratório, com relevante pressão sobre os recursos naturais. O primeiro ocorreu com a intensa exploração de ouro na região central de Minas, no início do século 18. Naquela oportunidade, formou-se uma população agrária, porém de elevada densidade. Com o esgotamento das jazidas auríferas e o episódio da Inconfidência Mineira, houve o “primeiro êxodo”. Os mineiros mais ricos migraram com capitais e escravos para regiões distantes, a exemplo de Inácio Correa Pamplona, que de Lagoa Dourada desbravou o Triângulo Mineiro.

Aliado à família Andrade, o poderoso português João Francisco Junqueira partiu dos Campos das Vertentes para Alfenas, Baependi, Campanha e Cruzília, no Sul de Minas. Com a vinda da família real para o Brasil, no começo do século 19, o crescimento urbano transformou Campos das Vertentes no centro de produção e fornecimento de carnes e cereais para a capital do Império. Com isso, pôde-se reter o crescimento vegetativo da população. Em seguida, a produção cafeeira da Zona da Mata e do Sul de Minas atraiu grandes contingentes populacionais. Para lá se mudaram muitas famílias ricas, levando novamente seus capitais, escravos e agregados. Foi o caso de José Vieira de Rezende Silva, fundador do município de Cataguases.

As proximidades teóricas entre geografia e história vão além de temas como a estruturação do espaço mineiro. Repensando numa nova epistemologia histórico-geográfica, qualquer trabalho referente à espacialidade humana diz respeito à memória coletiva. Para correlacionar modernidade e memória, valendo-se dos conceitos de espaço e tempo em uma perspectiva interdisciplinar, é necessário compreender que a materialidade simbólica do espaço é substituída cada vez mais pelo novo, pelo moderno, de tal forma que parece “escapar” da memória e das lembranças. A perspectiva humanista e cultural reforça a relação entre história e geografia, considerando que a memória contribui para a constituição de categorias espaciais. Para Yi-Fu Tuan, “o lugar encarna as experiências e as aspirações pessoais, é uma realidade que deve ser compreendida da perspectiva dos que lhe dão significado”. Nesse sentido, analisando as relações existentes entre memória, paisagem e lugar, conclui-se que espaço e tempo estão indissoluvelmente ligados, reforçando o caráter essencial da geografia como ciência das relações entre sociedade e natureza.

Diante disso, é necessário desenvolver uma reflexão teórico-metodológica que se situe na confluência das ciências sociais e da geografia, capaz de priorizar a memória não somente como lembrança de um passado, mas como meio para recriar o passado com vistas ao futuro, portanto, como ação transformadora, na qual as lembranças possam alicerçar novos espaços e temporalidades. No estudo historiográfico da espacialidade, não importando a que época se refira, a memória, como fruto da ação humana, deve ser amplamente analisada. Desconsiderar esse aspecto significa ampliar a discussão construída na geografia que diz respeito à histórica dicotomia entre os aspectos humano e físico, natural e cultural. Que as humanidades, como a geografia e a história, ampliem as possibilidades de diálogos na construção de uma nova ordem socioeconômica mais justa, sustentável e inclusiva.

*Historiador/historiógrafo, mestre em História (PUC-RS) e docente aposentado do curso de bacharelado/licenciatura em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh)

**Educador e mobilizador da Rede Ação Ambiental com formação em Ecologia, Geografia, Magistério, Patrimônio e Turismo