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Nº 1882 - Ano 41
27.10.2014

Incansável mestra

Aos 91 anos, Beatriz Alvarenga conserva o entusiasmo pelo ensino da física; professora será homenageada na UFMG Jovem, que começa nesta quarta

*Zirlene Lemos

Professora de ciências da rede estadual, Amélia Rosa Queiroga viajou os 330 quilômetros que separam São João da Lagoa, no Norte de Minas, de Belo Horizonte para se encontrar com uma figura que a inspirou como docente: Beatriz Alvarenga, uma das principais referências no país no ensino de física. Amélia descobriu sua vocação quando cursava o ensino médio em Pedro Leopoldo.

Como muitos colegas, ela tinha dificuldade para aprender as leis de Newton e outros conceitos. Essa tendência começou a mudar quando esteve na UFMG para assistir a uma palestra da professora Beatriz Alvarenga, na qual explicava a física por meio de experimentos. “Isso foi fundamental na minha vida escolar e profissional. Foi ali que eu decidi ser professora.”

O recente encontro entre discípula e mestra ocorreu na casa de Beatriz, no bairro Floresta. Lá, Amélia foi recebida com o sorriso e a cordialidade que sempre caracterizaram essa professora emérita do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas. Aos 91 anos, Beatriz continua “antenada”. Ela tem facebook, acessa e-mail e ainda recebe professores, colegas e estudantes para longas conversas e demonstrações experimentais de física em sua casa, com direito a visita ao seu laboratório particular e a uma biblioteca, que, além de livros e conteúdos de ensino, abriga o seu espírito generoso. “Ela empresta seus livros sem cerimônia ou protocolo”, testemunha Márcio Quintão Moreno, amigo de longa data.

Beatriz Alvarenga será homenageada na abertura da XV UFMG Jovem nesta quarta, 29, às 17h, no Centro de Atividades Didáticas 2 (CAD 2), campus Pampulha. A cerimônia, aberta ao público, marca o début da UFMG Jovem, cuja primeira edição foi coordenada por ela, em fevereiro de 1999.

Trata-se de ação conjunta da UFMG, idealizada pela Pró-reitoria de Extensão, Diretoria de Divulgação Científica, Departamento de Física, Biblioteca Central (BC) e Biblioteca Professor Manoel Lopes de Siqueira, do Departamento de Física. “Já desejávamos homenagear a professora Beatriz Alvarenga no ano em que a UFMG Jovem comemora seus 15 anos. E, ao longo dos preparativos, houve uma confluência de iniciativas já em andamento, como a exposição aberta na Biblioteca Central”, afirma a diretora de Divulgação Científica (DDC), Silvania Nascimento.

A exposição conta com fotografias, “brinquedos” de seu acervo pessoal usados no ensino, além de documentos, premiações e principalmente livros publicados por Beatriz Alvarenga e Antônio Máximo Ribeiro das coleções Física, Curso de Física e Física – contexto e aplicações, que compõem o acervo das bibliotecas da UFMG. A mostra inclui os livros editados na América Latina, traduzidos pela Editora Oxford, e a tradução da segunda edição da obra Halliday, por Beatriz Alvarenga, Antônio Máximo, Márcio Quintão Moreno e Jesus de Oliveira.

Quebra de paradigmas

Beatriz Alvarenga veio de uma família de 13 irmãos, sete mulheres e seis homens. Em 1946, foi a única mulher a se formar em Engenharia Civil pela então UMG, que mais tarde se tornaria Universidade Federal de Minas Gerais. Ela não tem formação formal em física, embora seja uma das mais conceituadas estudiosas da matéria. “Escolhi Engenharia porque era o que mais envolvia matemática, pois, na época, ainda não existia curso de Física no Brasil. Tive muita sorte em estudar Engenharia Civil, pois, antes mesmo de concluir a graduação, sabia que não atuaria na área e já dava aulas desde o começo da faculdade, mas sempre fui muito respeitada pelos meus pares. A docência foi o que sempre gostei de fazer”, conta.

Nem tudo foram flores. “Era uma época difícil, não tinha muito emprego para mulher, as condições em geral eram difíceis. Em 1945, quando me formei na Escola de Engenharia, não tinha sequer banheiro separado para mulher”, recorda. Os obstáculos não paravam aí. “A Escola de Engenharia ficava na famosa zona boêmia de Belo Horizonte, e as provas eram sempre à noite; à época não se pensava muito nas mulheres, e eu era a única da turma. Das outras duas que entraram comigo, uma desistiu e a outra se mudou para São Paulo”, relembra a educadora.

Abrir o campus

Quinze anos após a primeira edição da UFMG Jovem, Beatriz Alvarenga recorda as motivações da iniciativa. “Esses encontros de ciências para jovens, as feiras de educação básica já eram uma prática muito comum no exterior e desejávamos abrir o campus aos jovens, uma oportunidade para a UFMG intensificar o seu relacionamento com o ensino fundamental e médio.”

“À época, queríamos transformar a UFMG Jovem em projeto permanente e lá se foram 15 anos”, comemora a homenageada, garantindo que tem energia para fazer tudo de novo. “Meu entusiasmo para melhorar a qualidade do ensino é grande em qualquer tempo, não tenho vontade de parar, continuo trabalhando, recebendo pessoas, estudando. Não tenho muita força para visitar com tanta frequência as escolas ou atender a todos os convites, mas, quando me chamam, eu vou. Sempre levo algum experimento simples, mas interessante para mostrar e deixar para os professores reproduzirem”, conclui Beatriz Alvarenga.

*Assessora de Comunicação da Pró-reitoria de Extensão da UFMG