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Nº 1882 - Ano 41
27.10.2014

Etnocentrismo digital

Tese da ECI analisa o fenômeno da ‘orkutização’, interpretado como uma tentativa de se estabelecer distinções sociais na internet

Bruna Moreira

A data de 30 de setembro de 2014 marcou o fim de uma era na internet. Afinal, foi o último dia do Orkut, rede social criada em 2004 pelo turco Orkut Büyükkökten, que ocupou por muito tempo o posto de site mais popular no país. Em seu auge, chegou a ter mais de 40 milhões de cadastros só no Brasil, o país com maior número de usuários.

Se para alguns a finada rede social deixou saudades, para outros, seu legado é uma porção de usuários ruins que vão dedicar a vida a estragar outros sites, fenômeno que ficou conhecido na internet como ‘orkutização’. Entretanto, para o pesquisador em Ciência da Informação Ruleandson do Carmo Cruz, o problema vai muito além do deslocamento dos seus usuários para outros ambientes na internet. Em sua tese de doutorado, defendida coincidentemente no dia em que a morte do Orkut foi oficializada, ele aponta a orkutização como uma tentativa de criar distinções entre classes no âmbito das redes sociais. “Não se trata de um fenômeno de migração, mas um tipo de etnocentrismo digital. É o que alguns sujeitos na internet utilizam para desqualificar a prática informacional do outro”, afirma o autor do estudo.

Ruleandson explica que a expressão surgiu quando o Twitter ganhou uma versão em português, e os primeiros usuários do Orkut começaram a migrar para o microblog. “Eles buscavam entender a estrutura do site expondo dúvidas como ‘onde crio um álbum de fotos?’ ou ‘como mando um depoimento?’. Para os twitteiros, isso era mau uso do site e empobrecia a qualidade da informação disseminada ali”.

Mas a partir de que momento a associação a um site cultuado por tantos brasileiros se tornou negativa? Para ­Ruleandson, isso aconteceu quando o acesso à internet deixou de ser exclusivo e ganhou escala. “O Orkut começou como um símbolo de modernidade. Se tinha Orkut, você fazia parte de uma classe privilegiada. Com o tempo, o acesso à internet se tornou comum e consequentemente mais pessoas passaram a usar o site. Então, ele deixou de distinguir uma classe para ser acessível a mais pessoas.”

Para o pesquisador, a mudança de valor atribuída à rede social está ligada a um histórico preconceito de classes, que usa o acesso a alguns produtos e serviços para classificar os grupos. “O Orkut tinha essa marca de coisa para rico. Quando todos começaram a acessá-lo, passou a ser visto como coisa de pobre. É o que acontece com o Facebook agora, quando dizem que é hora de sair e procurar outra rede social”, aponta.

Ciclo

Esse processo de desvalorização dos sites ocorre devido ao que ­Ruleandson do Carmo chama de ciclo da cultura informacional – as práticas informacionais são adotadas como forma de distinção social e abandonadas ao perderem o caráter distintivo, dando lugar a novas práticas. É dentro desse ciclo que o conceito de orkutização se expandiu para fora da internet e se tornou sinônimo de popularização. “As pessoas passaram a falar coisas como ‘aquela cantora orkutizou, antes só tocava na MTV e agora virou trilha sonora de novela da Globo’, ou ‘aquela peça de roupa orkutizou porque chegou às lojas de departamento’. Mas a palavra ‘orkutizar’ carrega um juízo de valor maior, porque demarca que houve uma perda de qualidade no processo de popularização”, ressalta.

O pesquisador explica ainda que, quando as redes sociais se transformaram em espaços de convivência de diferentes classes, foram criadas novas estratégias de demarcação. “Como o site em si não é mais um sinal distintivo, as classes tentam se mostrar superiores demarcando a origem das outras. Chamar o outro de ‘orkutizado’ é o mesmo que chamar de emergente uma pessoa que teve uma ascensão social. É como dizer que ela pode estar ali, mas que aquela não é sua realidade”, analisa o recém-doutor.

Tese: Cultura informacional e distinção: a orkutização sob o olhar da Ciência da Informação
Autor: Ruleandson do Carmo Cruz
Orientadora: Maria Guiomar da Cunha Frota
Defesa: setembro de 2014, no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação