Busca no site da UFMG

Nº 1882 - Ano 41
27.10.2014

Sob inspiração de Aleijadinho

Colóquio Luso-brasileiro de História da Arte, na Escola de Arquitetura, vai abordar diversas linguagens da obra de Antônio Francisco Lisboa

Itamar Rigueira Jr.

O arquiteto, escultor e entalhador Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730–1814), é a motivação central do 9º Colóquio Luso-brasileiro de História da Arte, que a Escola de Arquitetura vai sediar de 2 a 5 de novembro. Em meio a conferências e debates sobre pesquisas em arte e arquitetura dos séculos 16 a 19, vinculadas a culturas construídas de forma interligada em Brasil e Portugal, Aleijadinho ganhará um dia inteiro dedicado a sua obra.

Quando se completam 200 anos de sua morte, o objetivo é valorizar a importância da obra do artista no contexto do tardo-barroco internacional, por meio de análise crítica das diversas linguagens de sua produção, segundo o coordenador do evento, professor André Dornelles Dangelo. Ele mesmo será responsável por localizar Aleijadinho no cenário da arquitetura do século 18 em Minas Gerais. “Sua obra se vinculou a uma circularidade de modelos e ideias que perpassavam a produção da Europa e, particularmente, de Portugal. Por outro lado, foi marcada também por forte regionalidade”, diz André Dangelo.

 Profeta Naum, do conjunto de Congonhas do Campo (1800-1805)
Profeta Isaías, do conjunto de Congonhas (1800-1805)

Especialistas dos dois países vão apresentar pesquisas relacionadas a quatro linhas temáticas: arquitetura e urbanismo, bens artísticos integrados (pintura, talha, imaginária), sociedade e cultura colonial e cidade luso-brasileira colonial. O professor emérito da Escola de Arquitetura Ivo Porto de Menezes, que receberá homenagem especial durante o evento, fará palestra sobre pesquisas realizadas ao longo de sua carreira acerca da evolução da arquitetura em Minas e da ligação com a arquitetura da Europa Central. Segundo ele, a intenção é relacionar características dos frontispícios de igrejas mineiras do século 18 com exemplares da Baviera. “Meu objetivo é mostrar esse trabalho a jovens pesquisadores para que continuem as investigações”, diz Ivo Menezes, que lecionou por quase 30 anos na UFMG e foi professor da Escola de Minas, em Ouro Preto.

Púlpitos e paisagens

Acervo Museu da Inconfidência
Projeto para a Igreja dos Franciscanos, em São João del-Rei (1774)
Projeto para a Igreja dos Franciscanos, em São João del-Rei (1774)

O Colóquio Luso-brasileiro de História da Arte foi realizado pela primeira vez em 1950, teve a série interrompida nas décadas de 70 e 80 e foi reativado em 1990. Depois disso, passou por cidades como Coimbra, Ouro Preto, Évora, Salvador e Porto. A edição deste ano vai reunir cerca de 200 participantes das áreas de arquitetura, belas-artes, história, conservação e restauro, educação patrimonial, museologia e turismo.

A professora Adalgisa Arantes Campos, do Departamento de História da UFMG, vai abordar em sua palestra dois púlpitos de Aleijadinho e seus colaboradores: o da Igreja de São Francisco, em Ouro Preto, é todo em pedra-sabão; o da Igreja do Carmo, em Sabará, tem a base em pedra-sabão e a bacia (ou corpo) em madeira entalhada. “É preciso destacar a história e a importância do púlpito na arte religiosa. Pretendo extrapolar o valor estético, já constatado, e me ater ao valor iconográfico dos conjuntos, ligado ao tema da conversão”, diz Adalgisa.

Professor da Escola de Belas Artes e especialista no patrimônio colonial luso-brasileiro, Marcos Hill vai apresentar no Colóquio um inventário, documentado em fotografias, de paisagens que compõem a decoração das igrejas do período. Segundo ele, as paisagens, que até meados do século 18 apenas compunham cenários, ganharam autonomia e começaram a aparecer em pinturas sobre painéis, sem referências à história ou à religião. “Sabemos sobre isso na Europa, e resolvi aprofundar o estudo desse fenômeno em Minas Gerais”, explica Hill.

Réplicas, mobília e fotos

A edição do Colóquio em Belo Horizonte será marcada pela reinauguração da ala expositiva do Museu da Escola de Arquitetura, que tem como item principal de seu acervo formas e réplicas em gesso do estatuário de Aleijadinho, incluindo os Profetas de Congonhas, além de peças icônicas da história da arte. O museu, fundado em 1966, conta ainda com mobiliários como cadeiras e poltronas desenhadas por arquitetos que passaram pela Escola, material referencial de aprendizado e fotografias que documentam a história da arquitetura em Belo Horizonte e Minas Gerais.

“Essa nova exposição é ­importante para se pensar o papel e os novos caminhos desse acervo. Estamos estudando critérios para institucionalização do museu, o que viabilizará a captação de verbas e melhor aproveitamento de seu potencial para pesquisa, ensino e extensão”, explica a coordenadora do projeto, professora Celina Borges Lemos.

Há diversos registros escritos e imagéticos de atividades de formação do acervo datadas das décadas de 1950 a 1970. Em 2009, foi iniciado um projeto de extensão para revitalizar o acervo, envolvendo inventário, catalogação e difusão.

A revalorização do espaço expositivo da coleção de réplicas de esculturas de Aleijadinho é o resultado mais recente dessa iniciativa. O novo conceito expográfico se manifesta, entre outros aspectos, em novas bases de sustentação para as peças, iluminação e comunicação visual. O projeto adotou, para o ambiente, o amarelo e o cinza, em referência aos tons do ouro e da prata, pertencentes à imaginária barroca.

O processo de revitalização incluiu limpeza das obras, consolidação das bases dos profetas e do tambor do púlpito da Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Sabará e a recuperação emergencial da réplica do Medalhão da portada da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Há muitos anos armazenada em condições inadequadas no depósito da escola, a peça estava em péssimo estado de conservação, apresentando trincas, abrasões e sujeira impregnada. O Medalhão foi completamente higienizado e consolidado para ser exibido em novo sistema de sustentação. No futuro serão feitas moldagem e adição da cabeça do São Francisco de Assis, perdida em data desconhecida.


Réplicas dos bustos de profetas elaboradas nos ateliês da Escola de Arquitetura e pertencentes ao acervo do Museu
Réplicas dos bustos de profetas elaboradas nos ateliês da Escola de Arquitetura e pertencentes ao acervo do Museu

Legado

As coleções de réplicas começaram a ser formadas no século 16, para estudos e desenvolvimento técnico, documentação e apreciação. A coleção mineira do museu abriga réplicas localizadas em cidades diferentes, possibilitando um olhar mais amplo sobre uma parcela do legado de Aleijadinho.

De acordo com textos preparados pelos curadores da exposição, André Dangelo e Celina Lemos, as peças foram desenvolvidas nas décadas de 1950 e 60 pelo professor Aristocher Benjamim Meschessi, na disciplina de Modelagem. As primeiras réplicas de corpo inteiro dos profetas Jonas, Joel e Amós foram encomendadas para ornamentar os ambientes da Escola. Outras se destinavam a instituições diversas – há registros de que, até 1970, foram feitas 46 reproduções.

Obras em gesso, cimento com pó de pedra e arenito foram produzidas valendo-se de formas dos originais obtidas de gesso e cera. A técnica construtiva dos moldes envolvia duas camadas: a primeira, de argamassa de pó de pedra peneirado e misturado no cimento; a segunda, da massa reforçada por vergalhões de ferro nos sentidos vertical e horizontal. As peças em gesso recebiam reforço em fibra de sisal e sarrafos de madeira.

Nascido em 1907, descendente de italianos, o professor Meschessi graduou-se pela Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Ele se aperfeiçoou na reprodução de esculturas e em trabalhos de restauração de obras na Europa, a serviço do Vaticano.