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Nº 1889 - Ano 41
15.12.2014

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Canção de amor

Professor da Fafich investiga os sentimentos do brasileiro médio que se expressam pela música popular

Ewerton Martins Ribeiro

Como os brasileiros amam? E como comunicam e socializam esse amor? Dalmir Francisco, professor do Departamento de Comunicação Social da Fafich, busca respostas para essas perguntas em Comunicação, música popular e sociabilidade, livro que acaba de lançar pela Fino Traço. Na obra, o professor analisa os significados das canções que registraram a experiência amorosa de homens e mulheres do Brasil nas décadas de 1930, 1940 e 1950.

“Estamos falando de produções poético-musicais que compõem uma rica e valiosa memória sonora e afetiva de dramas, amores, desamores: errâncias de homens e de mulheres comuns, afrodescendentes e eurodescendentes, que, cantando, registraram e registram ainda hoje a sua humanidade em um Brasil marcado pela diversidade étnica, cultural e social”, sintetiza Dalmir.

Para o professor, a música do período compreendido entre 1930 e 1955 produziu importantes noções sobre a vida, os dramas, as tragédias, as alegrias e as tristezas de indivíduos e grupos de diversos segmentos étnicos, culturais e sociais brasileiros – todos participantes do acelerado processo de mudança que se experimentava naquele tempo com a industrialização e a urbanização do país. A expressão desse fenômeno se dava primordialmente pelo rádio, que vivia a sua “era de ouro” no Brasil. Nesse sentido, o professor refaz o percurso histórico da indústria fonográfica e do rádio no país, que vivenciou o mesmo paradoxo da imprensa e da literatura brasileira: formar e capacitar seu público ao mesmo tempo em que se instituía.

Duas tradições

No livro, o pesquisador investiga as características de duas matrizes musicais e as distintas influências que elas têm na música brasileira: a afro-brasileira e a judaico-cristã. “Elas estabelecem um tenso diálogo”, define Dalmir. Segundo ele, a tradição cultural de base cristã, de influência judaica e origem europeia, é aquela em que a temática amorosa passa ora pela aceitação de um destino amoroso, ora pela recusa desse destino traçado. “Essa tradição aponta para uma sociabilidade que se expressa, em alguns momentos, pelo conformismo de homens e mulheres a papéis determinados, como a submissão da mulher, e, em outros, pelo inconformismo em relação a esse papel”. Exemplo disso, afirma ele, são as obras de Vicente Celestino e Ari Barroso.

Em contrapartida, o canto amoroso que se dá sob a influência da tradição afro-brasileira expressa “um estar no mundo sem destino previamente traçado, sem papéis masculinos ou femininos preestabelecidos. O destino e os modos de vida dependem da própria força dos viventes”, sugere o professor. Nessa tradição despontaram nomes como Pixinguinha e Donga.

O aspecto sexual exemplifica o quanto essas duas tradições se diferenciam. “Na afro-brasileira, há uma aceitação de certa inseparabilidade entre o amor e o sexo. Na tradição cristã, isso soa como promiscuidade ou imoralidade”, distingue Dalmir. “Não há separação entre sagrado e profano na tradição afrodescendente. Na europeia-cristã, em contrapartida, não fazer essa separação soaria como blasfêmia.”

Comunicação, música popular e sociabilidade está dividido em quatro capítulos. No primeiro, Dalmir discute conceitos de cultura, de identidade e de sociabilidade, considerando-os fundamentos da expressão artística, técnica e científica do homem sobre si mesmo. No segundo, aborda a revolução de 1930 e o esforço que nela surge para se desenhar uma identidade nacional.

No terceiro capítulo, o professor aborda o ethos, a ética, a estética e a lógica interna da produção musical popular do período compreendido entre 1930 e 1955, segundo a matriz europeia-cristã-judaica. No quarto, ele analisa a produção poético-musical alinhada com a tradição afro-brasileira.

A obra reúne estudos que Dalmir realizou em paralelo com seus trabalhos de mestrado, doutorado e pós-doutorado – em especial as pesquisas desenvolvidas para a disciplina Comunicação e música popular, que ministrou de 1989 a 2001 no curso de Comunicação Social da Fafich. Para o trabalho, Dalmir se vale de referenciais da comunicação, da filosofia, dos estudos literários e da história. “A riqueza literária e musical desse repertório dito popular colabora fortemente para a formação sociocultural e histórica brasileira”, conclui o professor.

Livro: Comunicação, música popular e sociabilidade
Autor: Dalmir Francisco
Editora: Fino Traço (www.finotracoeditora.com.br)
224 páginas/R$45 (preço de capa)